10 maio 2010

INOVAÇÃO - Uma visão sobre inovação no Brasil. "Não basta jogar o jogo"

Fonte: Portal Amanhã

Muito interessante esta matéria da Revista Amanhã com André Coutinho da Symnetcis, um dos representantes da estratégia do Oceano Azul no Brasil. Vale a pena a leitura!

André Coutinho, sócio-diretor da Symnetics, critica o modo conservador pelo qual as empresas pensam os seus negócios e sustenta que os MBAs apenas formam gestores médios

Normalmente, André Coutinho é sócio-diretor da Symnetics. Mas como foge do formalismo e da ortodoxia, prefere dar outro nome à posição que ocupa na consultoria. "Sou designer de inovação", diz. Ele parece esperar a pergunta inevitável sobre what hell faz um designer de inovação - e ela vem. "O que eu faço é ajudar pessoas e organizações a encontrar novos espaços de mercado, desenhar negócios", define Coutinho, um recifense de 37 anos que enrolou o diploma de economista, pela Unicamp, para se dedicar à administração. Até outubro, ele deve lançar seu segundo livro, O Ativista da Estratégia- o primeiro, em coautoria, foi Gestão da Estratégia: Experiências e Lições de Empresas Brasileiras. Desde 2004, André Coutinho trabalha com Francis Gouillart, um dos idealizadores do método de inovação de valor, utilizado por W. Chan Kim e Renée Mauborgne no livro A Estratégia do Oceano Azul. Autor do prefácio à edição brasileira, Coutinho destaca, na entrevista a seguir, alguns bons exemplos de empresas brasileiras que estão procurando espaços inexplorados de mercado, mas critica o conservadorismo que ainda impera nas companhias. "É a cultura do comando e do controle, da hierarquia - onde os que estão em cima mandam e pensam e os de baixo apenas executam", lamenta.

É difícil mudar o padrão de pensamento dominante nas empresas em matéria de definição de estratégias?
Sem dúvida. Em geral, ainda existe no Brasil uma mentalidade de formulação de estratégia na qual a primeira preocupação é fazer bastante pesquisa sobre a concorrência e muito benchmarking para se saber em que terreno se está pisando. Tudo isso para só então se descobrir que produto oferecer, em que mercado apostar. Este é o padrão de estratégia. Poucas são as empresas que ainda se lançam em busca de algo que seja novo: um espaço não conhecido ou não explorado, um novo produto, serviço ou negócio. Mas isso exige uma nova mentalidade, uma postura mais empreendedora, mais tomadora de risco, mais experimental no sentido de testar algumas coisas, de errar um pouco.

Que empresas estão buscando este caminho no Brasil?
Empresas como a Natura, a Fiat e a Tecnisa, na área da construção, são bons exemplos. Elas estão criando um modelo de produto desenvolvido com a participação do público, e com isso estão abrindo espaços novos de mercado e navegando no oceano azul. A linha Ekos, da Natura, ilustra isso muito bem. A empresa trouxe a comunidade para perto dela, envolveu as pessoas neste projeto e criou toda uma associação com o meio ambiente. Já a Fiat decidiu lançar um carro conceito idealizado, basicamente, pela comunidade. A intenção é capturar o máximo de ideias ao longo de um ano e, então, lançar esse carro conceito no Salão do Automóvel em São Paulo. E a Tecnisa conversou com a população de idosos e desenvolveu apartamentos que atendem a uma série de funcionalidades que são importantes para eles e que estão ausentes dos imóveis comuns oferecidos no mercado. Ela vislumbrou um segmento menosprezado pelas construtoras. Acabou criando um novo espaço de mercado com o conceito de Arquitetura Inclusiva, e já está vendendo imóveis para pessoas com deficiência. Trabalhar com a comunidade cria um diferencial. No Brasil, ainda somos principiantes neste aspecto, mas lá fora isso está muito em voga.

O que explica este descompasso?
Todo o processo de oceano azul - isto é, achar um novo espaço de mercado e evitar a competição acirrada, o "oceano vermelho" - passa por uma experimentação. É por isso que é um trabalho mais demorado. É necessário pesquisa de campo, conversar com muitas pessoas, com clientes, enfim, arregaçar as mangas mesmo. É necessário, ainda, experimentar algumas ideias. O oceano azul não surge de um dia para o outro. Há muito trabalho envolvido no processo.

Na era da cópia, não parece inevitável que um oceano azul comece a adquirir tons de vermelho logo que a concorrência se aperceba da novidade?
Não há dúvidas de que o oceano azul possui um prazo de validade. Mas ele dura muito mais se o negócio for modelado de uma forma que fique muito difícil para a concorrência copiar. Explico melhor. Se você modelou o oceano azul de sua empresa somente na diferenciação do produto, o chinês, por exemplo, fará exatamente o mesmo produto pela metade do preço. Isso vale para qualquer produto em qualquer setor.

E se o diferencial for custo o trabalho do chinês ficará ainda mais simples...
Aí eu nem considero mais. Custo é a premissa do jogo. Qualidade e custo são premissas em qualquer lugar do mundo. Quem não fez essa lição de casa está bastante atrasado, tem de correr, está frito. Eu dei o exemplo do chinês. Mas também posso dizer que se você se baseia apenas no custo, alguém com dinheiro vai lá e compra sua empresa. É o que vem ocorrendo no Brasil com a indústria química, por exemplo, nos últimos anos.

Mas grande parte dos planos estratégicos está apoiada em diferenciação e custo, não?
A maioria dos planos estratégicos faz benchmarking. Não há uma grande estratégia de oceano azul nesses planos. Há apenas um breve estudo da concorrência e uma escolha de posições conhecidas. Não há um salto.

Uma corrida rumo ao óbvio?
Isso mesmo. Trata-se de um jogo bem conhecido. Previsível, eu diria. E um jogo previsível termina em guerra de preços, comoditização... Fica insustentável. A não ser que você seja monopolista ou oligopolista, situações aliás muito raras.

A teoria da administração está muito presa a esses padrões?
Muito. Na verdade, no início da entrevista eu citei dois paradigmas. O primeiro é o da análise, baseada no benchmarking. É onde existe a estratégia competitiva usual. A outra linha, na qual se busca novos caminhos, é justamente a linha do oceano azul. É uma linha que diz que o jogo da competição é muito complexo e a chance de cópias é alta. Dessa forma, temos de inventar algo diferente e jogar o jogo de forma diferente.

As pesquisas de mercado ajudam na formulação de estratégias inovadoras?
Na verdade, as pesquisas de mercado dificilmente irão tirar o empresário de um negócio já conhecido. Até se pode perguntar sobre os produtos e serviços, mas é algo batido. A chance de dar um salto com isso é minúsculo. No oceano azul existe a chamada cocriação: criar junto com o cliente. Uma coisa jamais imaginada, da qual pode surgir uma alternativa diferenciada. Porque, se você for perguntar para um cliente o que ele realmente quer, ele não vai responder. Ou pensará em algo óbvio. Tem de fazer um novo tipo de pergunta. E não é pela pesquisa de mercado que se captura isso. É uma coisa muito direcionada. Da pesquisa não é possível tirar inovações.

Onde, nas empresas, você localiza a vertente da inovação nos negócios?
Nas minhas andanças pelo país percebo que tais mudanças vêm, principalmente, pelas cabeças mais jovens. De uma forma ou de outra, eles começam a assumir postos de liderança nas empresas. São filhos de empresários que estão com a cabeça mais voltada para o exterior, tiveram experiência em outros países, ou mesmo executivos que estão inseridos em uma nova geração, que cresceram no mundo da internet. Ter cabeças novas assumindo postos de liderança faz diferença quando o assunto é pensamento estratégico. É um pessoal mais descolado, aberto e predisposto a experimentar. Eu vejo bastante isso nas multinacionais. Nas empresas brasileiras, há poucas situações ainda. Há certo conservadorismo.

Esse conservadorismo tem a ver com o medo de tentar algo diferente ou é uma acomodação a padrões já conhecidos?
É uma soma de diversos fatores. Eu vou chamar tudo isso de conserva cultural. É a cultura do comando e do controle, por exemplo. É a hierarquia - onde os que estão em cima mandam e pensam e os de baixo só executam. As ideias provêm de um pequeno grupo. Pesquisas mostram que isso é muito forte no Brasil, na média das empresas. É uma realidade extremamente nociva para a inovação e para as estratégias de oceano azul.

A universidade colabora para derrubar este modelo?
Não. Na média, os MBAs ensinam os alunos a ser bons gestores, a jogar o jogo. Raramente ensinam a ser empreendedores, pessoas que realmente se lançam a desafios. Esse perfil, mais inovador, dificilmente se adquire na escola. Em geral se aprende mesmo é na prática, na escola da vida. MBAs formatam o aluno para ser um gestor médio.

Diz-se que o brasileiro é criativo. É inovador também?
Eu diria que não. O Brasil possui tradição como seguidor. Se você pesquisar bem a trajetória da grande maioria dos setores, nós fomos copiando a tendência dos Estados Unidos e da Europa. Eu tiraria da lista apenas o agribusiness, que foi muito impulsionado na década de 70 pela Embrapa. Ela sempre esteve na frente, conectando o mundo empresarial ao da pesquisa, o que é muito difícil nos dias de hoje - a famosa tripla hélice, que envolve governo, universidade e empresas. Outros exemplos são a Embraer, o ITA e a Petrobras. E eu citaria os bancos, que são bastante inovadores. Mas, de forma geral, o Brasil não é inovador.

E o que falta para ser?
O problema é nossa "conserva cultural" fortíssima. Na minha equipe, há alguns estrangeiros, oriundos da Europa e dos Estados Unidos. Eles reclamam muito do nosso jeito, dizem que somos criativos e tal, mas que, na hora da prática, somos conservadores. Criativos para a arte, para o futebol, para a música... Mas, no âmbito dos negócios, ainda patinamos.

Como se faz para a inovação realmente criar valor e dar resultado?
Há 15 anos se começou a discutir a criação de valor para a empresa; depois, para o cliente; e, agora, para a sociedade. O valor é algo que melhora a vida das pessoas que recebem aquele produto ou serviço. Isso é básico. Às vezes, eu uso a palavra experiência. Melhorar a experiência das pessoas com determinado produto ou serviço, seja público ou privado. Outro aspecto importante é que o valor precisa fazer sentido para as pessoas. Não adianta criar um produto sem sentido, que não se insere na vida de alguém.

Há muitos factóides?
Muitos. As áreas de marketing das empresas são experts nisso. Um produto igual com uma embalagem melhorada é anunciado como uma inovação...

Das três pás que compõem a hélice da inovação - empresas, universidades e governos -, qual está mais emperrada no Brasil?
É uma questão complexa. Todas as frentes possuem problemas. As empresas, no Brasil, não veem na universidade um parceiro natural para desenvolver negócios. Elas acreditam tratar-se de um bando de acadêmicos desenvolvendo experimentos desconectados da realidade e de difícil inserção no seu dia a dia. Preferem comprar tecnologia de fora. E, na universidade, criou-se um mito de que é feio empresariar ideias de laboratório. É um sentimento de anticapitalismo. A pesquisa é uma coisa pública, creem. Assim, as ideias ficam no papel. E os pesquisadores vão procurar mercados fora do Brasil, o que eu já vi acontecer muitas vezes. Quanto ao governo, também não faz o papel dele, que é juntar as partes e incentivar economicamente a inovação. Isso aconteceu poucas vezes, e de novo lembro Embraer e Embrapa. Agora é que as coisas estão se modificando.

Para onde devemos olhar nesta perspectiva?
Os Estados Unidos e, principalmente, a Califórnia, fornecem muitos exemplos de união entre universidades e empresas. Microsoft e Intel, por exemplo, patrocinam projetos acadêmicos. Alguns veem isso como uma privatização da universidade. Mas isso é desenvolvimento. Vamos falar de novo da Coreia. Os coreanos escolheram quatro setores. Vamos ficar em dois deles, o eletroeletrônico e o automotivo. Pergunto: 20 anos atrás, ouvia-se falar em Hyundai e LG, por exemplo? Da noite para o dia, eles invadiram o mundo. O que foi isso? O governo escolheu uma área, investiu, incentivou e mandou os empresários conquistarem mercados. A China está agindo da mesma forma. Selecionar setores é uma belíssima estratégia. Mas o Brasil não gosta disso.

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