19 novembro 2010

TENDÊNCIAS - A Caminho da Fábrica do Futuro


Uma companhia neozelandesa chamada Ponoko está inventando um novo processo de produção: objetos desenhados virtualmente se transformam em peças reais em poucos minutos. o segredo? uma pequena cortadora a laser

Williams+Hirakawa
Industriais digitais: Derek Elley (à esquerda) e David ten Have, fundadores da Ponoko, em sua cidade natal, Wellington, na Nova Zelândia
É fácil confundir a cortadora a laser na sede da Ponoko com um equipamento comum. A máquina tem cerca de um metro de altura — aproximadamente o tamanho e a forma de uma copiadora — e é revestida daquele plástico cor de areia hoje tão banal nos escritórios. Só que, em vez de imprimir tinta sobre papel, esculpe materiais com um feixe de luz altamente concentrado controlado por um computador. Levante a tampa, coloque um pedaço de madeira ou de plástico plano e em cerca de 15 minutos você terá peças para montar um abajur ou um carro de brinquedo. Para David ten Have, 34 anos, presidente da Ponoko, isso é apenas o começo. Ele acredita que um dia, talvez daqui a 50 anos, máquinas como essa serão suficientemente baratas para estar em todos os lares e poderão fazer quase qualquer coisa. Comprar um produto físico — um telefone celular, por exemplo — será tão fácil quanto baixar uma música no iTunes. Os produtos não serão despachados em contêineres; serão carregados como arquivos digitais e impressos em nossas mesas enquanto tomamos café.

Esse é o futuro selvagem e abstrato — talvez matéria-prima para discursos em conferências, mas não algo que se esperaria transformado rapidamente em um negócio rentável. Mas Ten Have está construindo essa empresa. A Ponoko está montando a infraestrutura para esse novo tipo de cadeia de produção, começando pela cortadora a laser que fica a poucos metros de seu escritório em Wellington, na Nova Zelândia. “Estamos criando uma fábrica para o século 21”, diz ele. A Ponoko não inventou a cortadora a laser. A máquina existe há algumas décadas — as companhias aeroespaciais a utilizam para fabricar algumas peças e as oficinas de gravação, para personalizar pesos de papel. Mas a Ponoko é a primeira empresa a conectar uma cortadora a laser à internet e a deixar que qualquer pessoa, em qualquer lugar, assuma seu controle. Se você entrar no site da Ponoko encontrará cerca de 20 mil artigos à venda. Os produtos não estão no estoque; eles existem digitalmente, como arquivos de desenho nos servidores da companhia. O que a Ponoko realmente vende é o acesso a máquinas de fabricação rápida — cortadoras a laser, na Nova Zelândia e em Oakland, na Califórnia, e em breve todo tipo de máquina ao redor do mundo —, permitindo que as pessoas façam coisas para si mesmas ou comprem o que outras desenharam.

Como nada é feito até que seja encomendado, é possível modificar os desenhos de acordo com o gosto do consumidor. Os materiais também são flexíveis. A Ponoko oferece dezenas de opções, incluindo couro, metal, madeira e feltro. Cobra com base no custo dos materiais, mais US$ 2 por minuto de funcionamento da cortadora a laser. (O abajur Bloom, por exemplo, usa uma chapa de compensado de US$ 15 e 13,2 minutos na cortadora.) Os designers que vendem seus produtos no site definem seus próprios preços. “O que diferencia a Ponoko é que não há regras sobre o que você pode customizar”, diz Frank Piller, professor da Universidade de RWTH Aachen, na Alemanha, especializado em novos modelos empresariais.

Existe outra razão para a Ponoko ser diferente da novata média da web: o negócio se sustenta. A Ponoko é um exemplo de como ter sucesso quando sua ideia é tão futurista que parece irracional. O plano original de Ten Have envolvia levantar milhões de dólares de investidores de risco antes de a empresa começar a funcionar. Mas os capitalistas não apreciam planos para 50 anos. Por isso, Ten Have teve de voltar ao básico, concentrando-se nos lucros.

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Trabalho braçal: Ten Have, o criador da Ponoko, imprime ele mesmo os objetos. “Esse é o lado negativo de se fazer uma coisa nova. Você tem de provar pessoalmente.”
Voltar ao básico também significou para Ten Have passar, em 2009, três meses a 11 mil quilômetros de casa, dormindo em um colchão de ar em um quarto alugado e viajando de trem para o escritório em uma parte feia de West Oakland, na Califórnia. Ten trabalhava 12 horas por dia, cortando e embalando encomendas da Ponoko e tinha perdido quase sete quilos desde sua chegada. Eu lhe perguntei o que o presidente estava fazendo ali, brincando de técnico de impressão. Ele suspirou e disse: “Essa pergunta passou pela minha mente várias vezes nesta viagem, mas esse é o lado negativo de se fazer uma coisa nova. Você tem de provar pessoalmente”.

Uma semana depois, quando o encontrei na Nova Zelândia, parecia outro homem — banhado, sorridente e revigorado. Ten Have diz que se sente livre quando está na Nova Zelândia, e é fácil ver por quê. É um país jovem e amplo, que ocupa um terreno pouco maior que o Reino Unido, mas tem apenas 1/15 de sua população. Além de ser um país que adora armas, esportes e camping, é um dos lugares menos regulamentados do mundo — só perde para Cingapura na lista do Banco Mundial de facilidade para abrir empresas — e o índice de empreendedorismo é maior que o dos Estados Unidos.

A infância de Ten Have parece ter sido um resumo desse espírito. Seu pai, John, um engenheiro aeronáutico da Força Aérea da Nova Zelândia, estava sempre fazendo alguma coisa, incluindo um avião e um carro elétrico — e David passava horas folheando os catálogos de aviação faça-você-mesmo que havia em sua casa. Ten Have herdou de seu pai a vontade de fazer coisas, mas não a capacidade para tanto. Ele tem apenas 1,65 metro de altura, um físico franzino e caminha com um coxear acentuado. Quando menino, sua falta de jeito levava a discussões com o pai na oficina. “Nossas brigas eram sempre sobre questões de qualidade”, diz. “Eu simplesmente não era bom com as máquinas.”

Então ele se tornou um geek, voltando sua energia criativa para os computadores. Formou-se em ciência da computação na Universidade de Victoria, em Wellington, pagando suas mensalidades com trabalho freelancer de desenvolvimento de software. Foi o início do boom das pontocom e Ten Have ficou fascinado pela ideia de fundar a sua própria empresa. Abandonou seu mestrado de administração tecnológica e, depois de um pequeno período em uma desenvolvedora de software local, partiu para o próprio negócio, uma consultoria de software. Fundada por Ten Have e quatro amigos em 2001, a Provoke Solutions vendia e customizava produtos da Microsoft. Cresceu rapidamente, e, em 2005, tinha 30 empregados e uma receita de cerca de US$ 2 milhões. Mas Ten Have ficava cada vez mais aborrecido. O que ele desejava era algo físico. “Eu queria fazer objetos bonitos”, diz.

Pensou em pranchas de skate. Passou horas brincando com um programa de design em computador e finalmente decidiu-se por uma prancha de fibra de carbono com desenhos de madrepérola incrustados. Imaginou rodas customizadas de cromo que lembrariam um Cadillac 1950. Começou a ligar para os fabricantes. Ninguém queria produzir nas pequenas quantidades que ele desejava. “A experiência foi uma advertência”, diz. “Quero dizer, puxa vida, como alguém coloca algo no mercado?” Afinal, após negociar dez meses com uma oficina em Christchurch, a centenas de quilômetros de sua casa, conseguiu que fizessem apenas duas pranchas de skate. Gastou milhares de dólares. Nunca descobriu como fazer rodas baratas e acabou desistindo da ideia. Emoldurou as pranchas e as pendurou na casa onde mora com sua namorada. Enquanto mostra seu trabalho, que é realmente notável, não dá um sorriso. “A capacidade de fazer coisas foi sugada de nossa sociedade”, diz. “É triste. Não, é pior que triste — é quase um ato criminoso.”

Ten Have decidiu que sua próxima empresa abordaria esse déficit: tornaria mais fácil fazer coisas. Apresentou a ideia a um amigo, Derek Elley, um empresário sério que tinha saído de uma empresa de marketing na internet e que hoje é o principal executivo de estratégia da Ponoko e o segundo na linha de comando. Enquanto Ten Have se preparava para subir ao palco da TechCrunch, uma conferência anual de tecnologia em São Francisco, em que empresários exibem seus produtos para investidores de risco, ele foi dominado por uma repentina onda de medo. Era setembro de 2007, e, segundo a maioria dos indícios, a Ponoko estava destinada a um começo esmagador. Designers na Nova Zelândia já estavam fazendo e vendendo coisas, e a imprensa local cobria atentamente cada passo da firma. Havia fundos no banco — ele e Elley tinham juntado US$ 500 mil de seu próprio dinheiro e levantaram uma quantia equivalente de amigos e investidores locais — e tinham certeza de que conseguiriam mais milhões em investimentos depois da conferência.

Ten Have se arrastou pela apresentação, mas, para sua surpresa, o público pareceu realmente impressionado. Ron Conway, um famoso investidor, elogiou a Ponoko durante o debate após a consideração. “Acho uma ideia muito original”, disse Conway. Nos meses seguintes, blogs de tecnologia e designers escreveram entusiasticamente sobre a Ponoko. O blog de produtos eletrônicos Engadget, que tem um grande público, observou: “A Ponoko parece estar a caminho de construir uma base de clientes suficiente”.

Só que não estava. Apesar de ter muito tráfego na web, dezenas de citações em canais de mídia e milhares de pessoas se inscrevendo para criar contas, somente um punhado delas estava realmente pagando para fazer coisas. “A cortadora a laser ficava silenciosa dias seguidos”, lembra Ten Have. No primeiro semestre de 2008, Ten Have e Elley fizeram cinco viagens entre Wellington e os Estados Unidos. Tiveram dezenas de reuniões de divulgação com investidores no Vale do Silício e em Nova York. Fizeram debates no MIT e na South by Southwest. Contrataram desenvolvedores de software para fazer o site e começaram a negociar para abrir um escritório de corte a laser nos EUA. Gastavam como loucos — e geravam uma pequena renda muito preciosa. Enquanto isso, a economia global desmoronava, tornando cada vez mais improvável a perspectiva de investimentos de risco ou de um grande salto no faturamento. Na metade do ano, a Ponoko tinha no banco apenas alguns meses de capital de giro.

Ten Have nunca fechou o grande negócio. O mais perto que chegou de levantar fundos adicionais foi uma reunião no escritório da Charles River Ventures no Vale do Silício. “Achamos a Ponoko interessante, mas a geografia foi um obstáculo”, diz Bill Tai, sócio da Charles River. A empresa afinal desistiu, o que Ten Have achou humilhante. “A ideia de que os investidores estão procurando grandes ideias arriscadas é uma das maiores ficções que já ouvi”, diz, ainda evidentemente magoado pela rejeição final. “Eles queriam outro Twitter.”

É claro que os investidores tinham razão. A Ponoko precisava ser mais séria como empresa, precisava provar que as pessoas queriam o que ela vendia. Mas Ten Have só percebeu isso quando encontrou Fred Durham, cofundador e executivo chefe da CafePress, uma empresa de customização de produtos que fatura US$ 100 milhões ao ano. Durham disse a Ten Have que gostava do modelo empresarial da Ponoko. Mas via um problema: a Ponoko não estava enfocada na rentabilidade. “Muitas pessoas vêm para o Vale do Silício e ficam confusas sobre para quem estão vendendo”, diz Durham, que investiu cerca de US$ 50 mil na empresa e hoje faz parte de seu conselho. “É para a imprensa, para os investidores ou para os clientes? E, para a Ponoko, o cliente era o terceiro da lista.” Durham disse para Ten Have cortar os custos e se concentrar em deixar os clientes atuais felizes.

Ten Have aceitou o desafio. Demitiu seus três desenvolvedores de software e fechou a operação de corte a laser nos EUA. A Ponoko trabalharia na Nova Zelândia até que houvesse demanda suficiente para uma segunda cortadora a laser (hoje há cinco funcionários e um punhado de trabalhadores temporários). As demissões não bastaram. A Ponoko estava conseguindo apenas alguns milhares de dólares por mês de receita. “Tínhamos toda uma lista de pessoas (clientes que haviam criado contas, a maioria dos quais não comprou nada) e dissemos: Vamos telefonar para eles e dizer: ‘O que você acha?’” Ten Have começou a prestar atenção em citações a sua empresa nos blogs de designers. Sempre que alguém escrevia sobre a Ponoko, ele mandava um e-mail ou dava um telefonema. Se o blog escrevesse sobre a Ponoko de novo, ele enviava um cupom. “Estávamos falando com o New York Times e com capitalistas de risco — você sabe, pessoas importantes”, afirma. “Mas, para nós, quem realmente importava eram as pessoas que estavam usando a Ponoko.”

Os designers gostavam da companhia, mas temiam os altos custos do corte a laser. Então a Ponoko ofereceu um serviço de assinatura que dava descontos aos clientes fiéis. Por apenas US$ 22 por mês, os designers pagam a metade das taxas normais pelo tempo de corte e remessa. (O custo para se fazer um abajur Bloom caiu de US$ 60 para US$ 39.) O resultado foi que a empresa desenvolveu um fluxo de caixa confiável. De junho de 2008 a junho de 2009, a receita multiplicou-se por dez (atualmente é de US$ 250 mil por ano), enquanto a venda média passou de US$ 65 para US$ 85, apesar dos descontos de 50%.

Enquanto isso, Ten Have e Elley procuravam sócios. Em dezembro de 2008, eles começaram a conversar com Ted Hall, fundador da ShopBot, para criar uma rede de marceneiros independentes que usariam as máquinas da ShopBot para fabricar produtos para a Ponoko. Mais ou menos na mesma época, começaram a negociar com a TechShop, uma nova rede de lojas de máquinas cuja direção estava interessada em experimentar o modelo. “A Ponoko tem pessoas desenhando coisas interessantes on-line, e nós podemos fazê-las, empacotá-las e enviá-las para os clientes”, diz Mark Hatch, presidente da TechShop. “É um novo mundo.”

Ten Have confessa que há muito tempo não faz nada para si mesmo. Apesar de ter passado centenas de horas na frente de uma cortadora a laser, ele diz que raramente tem tempo para pensar no que as pessoas estão fazendo. Quando opera a máquina, pensa em realizar o corte, e não no que está sendo cortado. Enquanto olhamos uma peça de acrílico branco que foi cuspida pela cortadora, eu pergunto o que ele acha que é. Há duas formas em trapézio misteriosas esperando para ser destacadas de um pedaço de plástico quadrado. “Não tenho ideia”, diz. “Você dá essa ferramenta às pessoas e é como dizer: ‘Seja criativo!’ Às vezes eu sei o que elas estão fazendo; outras, é um mistério.” Ele pensa durante um segundo e então acrescenta: “Mas isso faz parte do prazer”.

O QUE A MÁQUINA PERMITE CRIAR | Utensílios para a cozinha, abajures, bijuterias: designers criam no computador tudo quanto é objeto e a Ponoko cobra pelo corte e pela remessa

Williams+Hirakawa
IMAGINAÇÃO: À esquerda, Tota Coffee Carrier, da Vanilla Design Store (por US$ 12) e abajur Bloom Lamp, da Alienology (US$ 160). À direita, colar com pingente preto Epershand, de Isette (US$ 24) e colar Nervous System’s, de Jesse Louis-Rosenberg e Jessica Rosenkrantz (US$ 66)

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