Leonard Lodish, professor de Marketing da Wharton, admite ser parcialmente culpado pela erosão do poder de fixação de preços das marcas que atingiu diversas empresas de bens de consumo — mas há outros culpados.
Em 1993, no momento em que o levantamento de dados específicos das lojas começava a ganhar popularidade, Lodish foi um dos autores de um artigo sobre o poder dessa tecnologia para mensurar o efeito das promoções de preços sobre as receitas. Contudo, também advertiu que embora tais ferramentas fossem um meio eficaz para medir o impacto dos descontos, não eram as únicas responsáveis pelo poder da marca. Ele insistia no fato de que havia outros parâmetros de longo prazo que, possivelmente, não fossem tão fáceis de coletar, ainda que igualmente importantes, e talvez até mais importantes no que se refere às vendas, à participação de mercado e ao preço das ações ao longo do tempo.
Os gestores de marcas ouviram a primeira parte em alto e bom som. Mas e quanto a segunda parte? Nem tanto. “As pessoas se deixam atrair pelo que é fácil e preciso, e evitam questões mais difíceis e complexas”, diz Lodish. “É próprio da natureza humana.”
Agora, Lodish lançou um ensaio intitulado “Se as marcas são construídas ao longo dos anos, por que são administradas trimestralmente?” em parceria com Carl F. Mela, professor de Marketing da Escola de Negócios Fuqua da Universidade Duke. O ensaio mostra como a adoção generalizada de medidas de curto prazo, e de fácil aplicação, mudou o comportamento do consumidor e acirrou a concorrência entre os gestores de marcas. “É como se disséssemos no estudo: eu avisei”, diz Lodish.
Os autores fazem referência a pesquisas segundo as quais a participação de mercado dos produtos de marca estaria em queda, e que a sensibilidade do consumidor aos preços teria aumentado nos últimos 25 anos. Entre 1978 e 2001, os gastos com promoções — ou descontos — passaram de 33% para mais de 60% do orçamento de marketing. Ao mesmo tempo, os gastos com publicidade, que não podem ser facilmente vinculados às vendas, mas podem contribuir para o fortalecimento do poder da marca de maneira mais eficaz a longo prazo, passou de 40% para 24% de participação nos orçamentos de marketing.
Conquistando o cliente, em vez de ceder a ele
Os autores rejeitam a alegação comum de que a consolidação do varejo seria responsável pela erosão generalizada da margem de lucro. Eles dizem que, nos anos 1990, a Vlasic (que comercializava picles e de outros alimentos) cedeu às demandas do Wal-Mart para efetuar cortes nos preços e acabou no tribunal de falências. A Nike, pelo contrário, não abriu mão quando a Foot Locker reduziu o volume de pedidos em protesto contra as mudanças de preços e de categorias introduzidas pela fabricante de calçados de corrida. A Nike reagiu diminuindo o volume de alocação de calçados na loja, que respondia por 10% das vendas da fabricante. No momento em que os clientes deram pela falta dos calçados da Nike na Foot Locker, passaram a comprá-los na concorrência. No fim, a loja acabou cedendo aos termos da Nike. “A Nike conquistou sua clientela, ao passo que a Vlasic abriu mão dela em face das exigências do varejo”, informa o estudo.
Lodish diz que boa parte da tendência de descontos promocionais pode ser atribuída à metodologia de levantamento de dados surgida na década de 1980. A tecnologia deu aos gerentes de marcas dados que possibilitavam rastrear nitidamente o impacto das reduções de preços ao comparar lojas que faziam promoções com outras que optavam por não fazê-las. Em seu estudo anterior, escrito em parceria com Magid M. Abraham, hoje CEO da comScore, firma de pesquisas que faz sondagens junto ao público consumidor, Lodish construiu modelos que permitissem a utilização dos dados obtidos.
“Os lojistas puderam detectar aumentos substanciais de receitas, ver o que poderiam ter ganho sem a promoção e, em seguida, avaliar os custos da operação”, diz Lodish. “Às vezes, havia lucro; às vezes, não, mas era uma forma de aumentar as receitas, sendo que havia também uma preocupação com a participação de mercado. Depois de iniciado o processo, seguia-se em frente.”
O problema era agravado, acrescenta Lodish, pela insistência cada vez maior de analistas de Wall Street em privilegiar os resultados de curto prazo. Além disso, eles recorriam aos mesmos dados e modelos para avaliar as empresas. A curta permanência dos gerentes de marcas em seus cargos contribuía também para aumentar os resultados de curto prazo. “Eles não se importavam com o que havia acontecido há dois ou três anos”, diz Lodish. “Sua única preocupação era com o trimestre atual.”
Com o tempo, os consumidores adequaram seu comportamento de modo que refletisse a nova ênfase dada aos descontos e à erosão do poder de fixação de preços. “Agora, o consumidor aguarda um acordo. Enquanto isso, deixa de comprar pelo preço normal, diz Lodish. O consumidor aprendeu também a armazenar os produtos postos à venda, reduzindo assim as vendas a preço integral. Além disso, a concorrência também oferece descontos. Isto leva o consumidor a comprar o produto que estiver à venda no momento, corroendo as margens de todas as empresas no mercado.
Por fim, as vendas constantes diminuem a percepção que o consumidor tem da marca. Os autores citam como exemplo o K-Mart: “Um fator apontado na recente falência do K-Mart remete à sua dependência dos descontos para atrair os clientes. No momento em que a empresa decidiu cortá-los, as vendas despencaram. O que o K-Mart fez foi elevar o preço à categoria de fator principal da ida do cliente à loja, oferecendo-lhe pouco estímulo de fidelidade”, avalia o estudo.
Os dados das vendas de curto prazo que rastreiam os efeitos das promoções não captam impactos mais profundos. O ensaio cita um estudo feito pelo Information Resources Inc. (IRI) que analisou 24 marcas na Europa durante três anos até o fim de 2005. O estudo constatou que o impacto total dos descontos foi, na verdade, de 80% apenas do seu efeito de curto prazo, enquanto o efeito total da publicidade teria sido 60% maior do que as medidas de curto prazo sugeriam.
O jeito errado de gerir dados
Os autores observam que a natureza dos dados em si tem um impacto sobre as decisões de marketing que acaba tolhendo o desempenho das marcas ao longo do tempo. Eles entrevistaram os gerentes de uma empresa para quem a distribuição e os produtos têm papel de destaque no incremento das vendas de longo prazo. Todavia, os gerentes entrevistados admitem que concentraram seus esforços de marketing e de pesquisa em publicidade e descontos. Quando os autores lhes perguntaram a razão disso, os gerentes disseram que seu desempenho era avaliado com base nas vendas do trimestre, e que os investidores enfatizam esses números porque o elo entre os descontos e as vendas trimestrais é evidente. “Portanto, os números brutos fazem com que gestores flexíveis e importantes administrem as marcas de acordo com os dados de que dispõem, e não de acordo com os dados de que necessitam”, observam os pesquisadores no estudo.
Para corrigir alguns desses problemas, Lodish e Mela criaram parâmetros para avaliar as perspectivas de longo prazo de uma marca. Os autores recomendam a todo gestor sênior de marcas que observe trimestralmente os seguintes dados:
* Vendas estimadas da marca a preços constantes e sem descontos;
* Mudança no padrão das vendas tomando por base meses, trimestres e anos e a probabilidade de que as vendas desses produtos tenham aumentado ou diminuído nesse tempo;
* Elasticidade do preço regular e do preço promocional — ou a mudança de percentual na receita devido à mudança percentual no preço;
* Mudança na resposta de preço da marca no decorrer de meses, trimestres e anos, e a probabilidade de que a elasticidade tenha aumentado ou diminuído.
Se o referencial estiver aumentando e a resposta de preço diminuindo, isto significa que a marca está se fortalecendo e poderá gerar margens de preços integrais com o passar do tempo. Se a elasticidade estiver crescendo e o referencial diminuindo, é sinal de que a marca está se desgastando. “Ao gerar valores brutos para os efeitos de longo prazo, que se acham disponíveis sob a forma de parâmetros de curto prazo, as empresas podem evitar algumas atitudes míopes inerentes às mensurações de curto prazo”, informa o estudo.
Os pesquisadores citam uma marca — LaCoste — que prioriza as ações de longo prazo. A marca se tornou um sucesso quando chegou aos EUA nos anos 1950 e ainda era forte em 1969, quando foi adquirida pela General Mills. Em meados da década de 1980, as vendas dispararam à medida que a General Mills baixava os preços para ampliar a distribuição. Contudo, o nome da LaCoste em breve perderia seu charme no momento em que as camisas da grife, muito procuradas, foram parar nas prateleiras de descontos e nas pilhas de ofertas. Em 1992, a LaCoste comprou novamente a marca e imediatamente limitou a distribuição, recorreu a celebridades para anunciar o produto e subiu os preços. No início, o impacto sobre as receitas foi pequeno, mas de janeiro de 2002 até o ano passado, as vendas haviam subido 800%.
Durante a pesquisa para o estudo, Lodish e Mela visitaram diversas empresas e ficaram admirados com a falta de dados longitudinais colhidos pelas empresas. Muitas tinham um histórico de informação de 52 semanas apenas. Além disso, observam os pesquisadores, os principais fornecedores de dados geralmente descartam os dados depois de cinco anos, ao mesmo tempo que desenvolvem a capacidade de processar dados de hora em hora. Os autores reconhecem que os dados colhidos de hora em hora são úteis para monitorar o nível dos estoques. “No entanto”, prosseguem, “é difícil imaginar que o fim dos estoques de uma loja afete a capitalização de mercado da mesma forma que o patrimônio da marca, que leva geralmente mais de cinco anos para ser construído”.
Parabéns a Clorox
O estudo cita o exemplo da Clorox como empresa de bens de consumo à frente do seu segmento por utilizar parâmetros de longo prazo para proteção de sua marca. Antes de 2005, o alvejante principal da empresa tornara-se presa de um ciclo interminável de descontos. Praticamente uma vez por mês, o preço caía para 0,99 dólares no varejo e a publicidade era cortada. A curto prazo, a estratégia parecia rentável.
Contudo, os consumidores haviam aprendido a esperar pela redução do preço, o que resultava na queda das vendas dos produtos básicos e em aumento dos itens em promoção — sinais evidentes de que a marca estava em processo de erosão. A Clorox mudou a estratégia e reduziu os descontos, estimulando ao mesmo tempo a publicidade com o propósito de gerar uma lealdade de longo prazo e diminuir a resposta do consumidor aos preços. No início, os lucros despencaram, mas retomaram o fôlego no primeiro semestre de 2006 juntamente com as perspectivas de longo prazo do poder de fixação de preços da marca.
Os autores mostram as implicações para os analistas que, via de regra, se fixam em receitas trimestrais e em outros números de curto prazo. No terceiro trimestre de 2005, um analista teria possivelmente rebaixado a marca Clorox por causa das quedas de receitas e de lucros da empresa; entretanto, passaria despercebido a ele a retomada nas receitas e nos lucros em 2006 em razão da nova ênfase na construção da marca.
“Referenciais baseados no curo prazo, tais como vendas, deveriam ser complementados por parâmetros de longo prazo para obtenção de uma perspectiva mais completa do desempenho da marca”, assinalam os autores. “Cremos que isso seria um grande passo em favor do fortalecimento do estado frágil em que se encontram as marcas, conforme ficou claro nos últimos anos, aumentando nossa compreensão da força das marcas e ajudando as empresas a fazer um melhor trabalho ‘conquistando’ seus clientes.”
06/09/2007
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