Como dois empreendedores de Santa Catarina se transformaram em parceiros da Visa, a maior empresa de cartões de crédito do mundo, em um projeto de venda de ingressos para jogos de futebol
O paranaense Robson Carlo Mello de Oliveira cresceu vendo seu pai, Rubens Sampaio, jogar como meio-campista em vários times de futebol. Rubens era considerado um jogador habilidoso, defendeu nos gramados as cores do Internacional de Porto Alegre e chegou a desenvolver carreira internacional no Canadá. Seu filho, não. Oliveira primeiro virou surfista, depois começou a lutar jiu-jítsu. Por último, resolveu se aventurar na área de desenvolvimento de sistemas e tecnologia para a internet, na qual fez carreira anônima em Santa Catarina e sofreu na pele as consequências do estouro da bolha, no início dos anos 2000. "Até que, numa madrugada de 2003, acordei com a ideia que mudaria minha vida", diz Oliveira. "Um sistema que permitisse aos torcedores ir ao estádio sem enfrentar filas monumentais, cambistas e confusão." A ideia foi o ponto de partida para um negócio desenvolvido com seu sócio, o catarinense Rodrigo Koerich Calomeno - e que depois ganharia a parceria da Visa, a maior empresa de cartões de crédito do mundo. O PassFirst, como foi batizado o sistema, gira em torno do cartão de crédito. Por meio dele, o usuário compra os ingressos pela internet e entra no estádio - o cartão é passado em uma catraca especial e libera o acesso.Desde que foi criado, há cerca de um ano, o PassFirst atraiu 128 000 usuários e está disponível em oito estádios brasileiros, com uma oferta de aproximadamente 71 000 lugares. Uma das principais vitrines do programa é o Parque Antarctica, estádio do Palmeiras, em São Paulo. Lá a Visa mantém uma área reservada de 5 000 lugares com entrada independente, lounge e banheiros que lembram os de shopping centers paulistanos. Recentemente, o PassFirst chegou ao estádio do Morumbi, onde já estão reservados 20 000 lugares com estrutura de apoio semelhante. Em maio, o programa abre mais 15 000. Há três meses, a revista americana de negócios Forbes apontou o sistema como uma das maiores inovações da Visa do Brasil. Em julho de 2008, o sistema já havia chamado a atenção da matriz ao ser exposto em uma reunião, destinada a discutir inovações, realizada na sede da empresa, na cidade de São Francisco, na Califórnia. "Depois da experiência aqui, esse produto pode ser levado a qualquer lugar do mundo", afirma Rubén Osta, diretor-geral da Visa do Brasil. Atualmente, a empresa negocia com a Fifa os primeiros testes do programa em disputas internacionais, como o campeonato sub-20 de futebol feminino no Egito e o Mundial de Interclubes nos Emirados Árabes, que acontecem no segundo semestre deste ano.
Para que o PassFirst chegasse a esse ponto, Oliveira e Calomeno precisaram de cinco anos de trabalho e obstinação. A primeira dificuldade foi transformar uma ideia em produto - e encontrar um parceiro com cacife suficiente para financiar a empreitada. Os dois empreendedores bateram então à porta de quatro bancos - Itaú, Unibanco, Bradesco e HSBC. Não conseguiram nada além da recomendação de criar um projeto piloto, de preferência com um time de futebol. Procuraram então o Figueirense de Florianópolis e, junto com o clube, montaram um sistema de cartões de fidelidade, com chip embutido no plástico e catracas especiais de acesso. Mas a escala necessária ao sucesso do projeto só viria, perceberam Oliveira e Calomeno, com a associação com uma empresa de cartões de crédito. A primeira companhia procurada, a Mastercard, não se interessou pelo projeto. "Enviamos também um e-mail para o diretor de produtos da Visa, explicando a ideia. A reunião foi agendada para uma semana depois", diz Oliveira. A Visa decidiu, então, participar do desenvolvimento do sistema de vendas online de ingressos e da tecnologia que permitisse a utilização do cartão de crédito nas catracas dos estádios. "A grande preocupação da empresa era a segurança das informações do cartão", diz Calomeno. Em setembro de 2007, três anos depois do primeiro encontro com os executivos da Visa, o PassFirst finalmente foi inaugurado, no Parque Antarctica.O crescimento do cartãoCOM O PASSFIRST, a Visa inaugurou um modelo de inovação inédito na operação brasileira: a parceria com forasteiros para o desenvolvimento de um novo serviço. Oliveira e Calomeno são responsáveis pela administração do sistema de vendas pela internet, pela instalação e manutenção das catracas eletrônicas, pelas reformas necessárias nos estádios e pela identificação de novas oportunidades de negócios. Eles são os responsáveis pela adaptação do estádio do Morumbi ao programa. Ao todo, um terço do estádio deve ser modernizado, o que consumirá investimentos estimados em cerca de 30 milhões de reais (a Visa não divulga valores envolvidos no projeto). Com a reforma, será revitalizado no andar térreo o Morumbi Concept Hall, espaço que hoje conta com uma loja da grife esportiva Reebok (a maior da marca no país) e o Santo Paulo Bar. Com a ampliação, o espaço passará a ter lojas, cinemas, buffet infantil, churrascaria, salas de eventos e camarotes. "O futebol passará a ser um detalhe. O estádio será uma espécie de centro de entretenimento com a ambição de atrair visitantes também fora dos dias de jogo", diz Julio Casares, vice-presidente de marketing do São Paulo Futebol Clube. A reforma é um passo fundamental para adequar o estádio às exigências da Fifa para que possa sediar jogos da Copa do Mundo de 2014.
Inovações como o PassFirst são cruciais em um mercado competitivo como o de cartões de crédito, em que as empresas se movem em torno de um único objetivo: aumentar a base de clientes e estimulá- los a gastar mais. É por esse motivo que as redes de cartões investem em ações de marketing apoiadas em benefícios aos usuários - como parcerias em programas de milhagem de empresas aéreas e descontos em lojas, locadoras de automóveis, hotéis e restaurantes. "Iniciativas que despertem a empatia e estimulem os clientes a usar seus cartões são cruciais para o negócio", diz Carlos Gatti, sócio da KPMG. A principal fonte de receita das empresas de cartões é a taxa que cobram sobre as transações - de cerca de 3% sobre o total.Companhias do setor de cartões de crédito, como a Visa, vivem um momento particularmente delicado. Com a recessão instalada nos Estados Unidos, a maior base de cartões do mundo, essas empresas têm sido forçadas a buscar alternativas em novos mercados. O presidente mundial da companhia, Joseph Saunders, elegeu mercados emergentes como prioridade. Nos Estados Unidos, cerca de 35% das despesas com consumo já são pagas com cartões (em uma movimentação anual de 3,5 trilhões de dólares). Nos países emergentes da Ásia, do Oriente Médio, da América Latina e do Leste Europeu, essa participação não vai além de 10% (o equivalente a 900 bilhões de dólares). O Brasil está um pouco acima da média dos emergentes. Desde o início da década, o volume de transações envolvendo cartões de crédito e débito aumentou quatro vezes no país - ante queda de 42% no volume das transações com cheques. Estima-se que, no Brasil, 22% das compras são pagas com cartões, o equivalente a 300 bilhões de reais por ano. A taxa de crescimento médio anual do setor tem sido de 24%, impulsionada principalmente pelo aumento da renda da população, pela inclusão bancária e pela expansão da infraestrutura de pagamentos eletrônicos. "O Brasil tem potencial de manter esse ritmo e dobrar o número de cartões nos próximos anos", diz Marcelo Noronha, presidente da entidade que reúne empresas de cartões e bancos.
09/02/2009
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