26 outubro 2007

CONSTRUÇÃO CIVIL - Arquitetura delirante e 3 mil prédios construídos ao mesmo tempo

Fonte: Portal Terra



Renomados arquitetos como Rem Koolhaas e Jacques Herzog constroem na cidade projetos megalomaníacos
Imagine uma cidade onde se erguem neste momento cerca de 3 mil novos edifícios. Uma cidade que consome - segundo estimativas várias -, mais de 50% da produção de cimento e algo como 33% da produção de aço do mundo. Uma cidade onde guindastes gigantescos se movimentam 24 horas por dia, 7 dias por semana, esculpindo uma floresta de concreto com uma voracidade jamais vista na história moderna.

Essa cidade é Pequim, 15 milhões de habitantes, peróla da economia de mercado num país, a China, cujo arcabouço político é comandado com mão de ferro pelo partido comunista.

A transformação de Pequim em maior canteiro de obras do mundo acelerou-se nos últimos 5 anos. Durante este período a cidade esqueceu o passado, varreu do mapa a arquitetura stalinista; com raras exceções, especialmente os marcos do centro do poder, e fez do crescimento sem fim (e para muitos sem responsabilidade) a bandeira para atingir o futuro e a modernidade. Os tradicionais hutongs (espécie de cortiços chineses que dominavam a cidade e que serviam de endereço às famílias mais pobres) dão lugar a centenas de edifícios residenciais que chegam até, em média, aos 100 metros de altura com seus 30, 40 andares andares e duas, três centenas de apartamentos.

Ao mesmo tempo, nascem os superdistritos comerciais embalados por uma arquitetura delirante, geralmente sem personalidade, que misturam concreto, aço e vidro, formas inusitadas e designers com grife que vêem na cidade a possibilidade projetar o sonho de um futuro grandioso.

Renomados arquitetos como Rem Koolhaas, Jacques Herzog, Zaha Hadid, Jean Nouvel e Will Alsop constroem na cidade projetos megalomaníacos como a nova torre da TV chinesa, um arco deformado e imponente, a ser inaugurado antes dos jogos de 2008.

O plano de transformar a cidade em algo até então inconcebível passa pela batalha, por enquanto vencida, contra o relógio. Os alarmes são sólidos, o principal deles os Jogos Olímpicos de 2008. Isso ajuda a explicar porque a construção civil, um dos pilares da nova economia chinesa, é o foco da maioria dos investimentos do governo e dos investidores privados. Os bancos financiam até 80% do valor do imóvel, em prazos que podem chegar a vinte anos e com taxas de juros inferiores a 6% ao ano.

Grandes investidores chineses do ramo, já entre os mais ricos do mundo, são responsáveis pela maioria dos empreendimentos. Eles compram muitos apartamentos e depois tentam revendê-los ou alugá-los para pagar as hipotecas e obter o lucro.

A enxurrada de construções e a concentração de aquisições na mão de poucos investidores já produzem algo nefasto num pais em desenvolvimento, portanto ainda com centenas de milhões de pobres ou miseráveis.

Embora ninguém confirme os números, estimativas indicam que cerca de 60% dos imóveis já prontos estão desocupados, algo que pode ser facilmente detectado. Basta olhar para o interior das dezenas de prédios com janelas de vidro enquanto se caminha pelas ruas da cidade pra se notar os apartamentos vazios.

O governo tentou reduzir a concentração de compra paralisando as hipotecas múltiplas e incentivando que o imóvel chegasse à população sem intermediários. Como isso significaria reduzir o ritmo de obras e novos lançamentos, o que é impensável na nova economia chinesa, tudo voltou ao que era antes em menos de três meses.

No embate entre tradição e crescimento, o chinês já escolheu o caminho. E ele é inevitável, ao menos em Pequim. Confrontados com a miséria e pobreza dos anos de Mao Tse-Tung, eles estão apenas interessados no presente. E nem um pouco preocupados com o futuro. Uma característica inata da cultura dos chineses, que se movem por si mesmos e se acomodam.

"A economia está crescendo, há muitos empregos. Eu morava numa casa miserável. Hoje posso viver num bom apartamento", entoam. Isso explica em parte porque a maioria deixa suas velhas casas para que se ergam no local os superedifícios residenciais.

Para convencer os moradores a deixar suas antigas residências, o governo estabeleceu indenizações que significam uma pequena fortuna para quem vivia na miséria.

O preço por m2 pode chegar a 2 mil dólares. Em média, uma família ocupa 30 m2 em residências antigas, sem qualquer infra-estrutura. Quando deixam as casas, ou eles se afastam da cidade ou compram ou alugam os novos apartamentos, cujo metro quadrado começa a custar 4 mil dólares.
No vácuo do crescimento e da febre imobiliária surgem os problemas. E eles não são poucos. Milhares de operários se amontoam em alojamentos precários ao lado das construções, trabalham em sua grande maioria em condições inadequadas de segurança e recebem salários ínfimos, uma situação de quase escravidão segundo relatos de entidades de direitos civis internacionais. Com quase 3 milhões de carros nas ruas, o trânsito em Pequim já é um dos piores do mundo, apesar das grandes avenidas e anéis que cortam a cidade. Pequim tem pouquíssimas ruas ligando os enormes quarteirões, o que faz com que o trânsito escoe apenas pelas grandes vias, cada mais obsoletas ante o crescimento descontrolado da cidade.

Isso sem falar nos clássicos enfrentamentos de uma cidade que já é grande e não pára de crescer: a poluição e a escassez de recursos naturais.

Pequim já respira um ar inapropriado e alarmes de falta de água e de energia disparam nas discussões que ultrapassam as fronteiras do país e são os preferidos dos ecologistas e cientistas.
Apocalípticos e alguns técnicos dão mais 15 anos para o caos tomar conta da cidade se o ritmo e a sustentabilidade do crescimento não forem balanceados.

O caos para os chineses, no entanto, tem outro significado. E tem a ver com o passado.
26/10/2007

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