Em um cenário de crise econômica, recessão e gastos comedidos, uma nova tendência promete nortear o universo do consumo em 2009: o neofrugalismo.
Às vésperas do Natal, o banco Merrill Lynch, um dos mais atingidos pelo cataclismo financeiro que abalou o mundo, divulgou seu relatório anual de grandes tendências - uma tradição de fim de ano da instituição. No documento, técnicos do banco analisam os fatos mais relevantes do ano que acaba e traçam as perspectivas para o seguinte. A versão de 2008 foi batizada com o sugestivo título O Futuro Frugal (The Frugal Future) - iniciativa que poderia passar como uma pérola de cinismo, dado o histórico recente da maioria dos banqueiros de investimento. Em bases gerais, o relatório se propõe a analisar o impacto da crise no dia-a-dia dos americanos e seus desdobramentos no próximo ano. "Ao contrário do que ocorreu em episódios recessivos anteriores, testemunhamos mudanças épicas na maneira como as pessoas comuns se posicionam em relação a seus gastos e orçamentos, especialmente no que diz respeito a despesas supérfluas e dívidas", diz o economista David Rosenberg, autor de O Futuro Frugal. Segundo ele, a farra consumista dos últimos anos está definitivamente sepultada e em 2009 os consumidores valorizarão cada centavo gasto nos produtos que compram - seja num frasco de xampu, seja num aparelho de TV. "Comportamentos como gastos comedidos, poupança e até a disposição para certo sacrifício passaram a ser altamente valorizados nos últimos meses. E essa mudança não é um fenômeno episódico. Ela veio para ficar", diz Rosenberg.
Com seu relatório, o economista do Merrill Lynch tornou-se mais um entre os vários teóricos do neofrugalismo, tendência de comportamento que começou a ser observada por especialistas americanos em marketing e consumo após a crise das hipotecas podres, no fim de 2007. Com a quebra do Lehman Brothers e todo o turbilhão financeiro que se seguiu, o neofrugalismo cresceu e já começa a ganhar escala internacional - consumidores têm adotado comportamento semelhante em países europeus em recessão. "Os consumidores, mesmo em países que ainda não sofreram com a crise, como o Brasil, tornaram-se mais seletivos e passaram a buscar produtos e serviços com diferenciais tangíveis", diz o designer paulista Marcos Roismann, consultor na área de inovação. Em 2009, segundo as novas teorias de marketing, as pessoas devem passar mais tempo em casa como forma de economizar em despesas supérfluas e isso abre uma perspectiva a toda uma gama de produtos voltados para a diversão doméstica - vasta categoria que envolve de computadores que funcionam como central de entretenimento a videogames e sistemas de som digital.
As veteranas TVs de plasma e LCD, por exemplo, têm lugar de destaque nessa tendência e, da ótica do neofrugalismo, ganham status de investimento com retorno garantido. Hoje é possível comprar uma TV de LCD de 42 polegadas equipada para receber sinais de alta definição por um quarto do preço de três anos atrás. Os sucessivos aperfeiçoamentos na imagem e os novos recursos tecnológicos mantiveram as TVs de tela fina entre os objetos mais desejados pelos consumidores - seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. Uma pesquisa da filial brasileira da Philips com consumidores das classes A e B em São Paulo e no Rio de Janeiro constatou que metade desses consumidores que ainda não têm TV de tela plana (cerca de 80% do total) pretende comprar uma nos próximos meses - com crise ou sem crise. A reboque das telonas, seguem os videogames e os aparelhos de home theater. "Com essas telas conectadas a outros aparelhos, as pessoas passam a ter uma espécie de milhagem extra do televisor, a um custo interessante", diz o consultor americano Mark Anderson, presidente da Strategic News Service, empresa de pesquisa de tendências na área de tecnologia. Parte dessa "milhagem extra" pode ser obtida, por exemplo, de programas de TV e filmes baixados gratuitamente da internet ou de games jogados por toda a família.
Exigente por definição, o consumidor neofrugal não abrirá mão de requisitos básicos, como inovação, design e simplicidade de operação, na hora de abastecer o carrinho de compras. "A preferência por produtos fáceis de usar e inovadores continuará em alta e o preço competitivo entrará como elemento extra", diz Charles Bezerra, diretor excutivo da GAD’Innovation, consultoria brasileira especializada em projetos de inovação. O produto mais cobiçado de 2008, o iPhone 3G, deve se manter como objeto de desejo global com seu design simples e apelo tecnológico - agora com a vantagem do preço, que em um ano já caiu pela metade nos Estados Unidos e deve seguir o mesmo caminho em outros países, como Brasil. No entanto, o telefone-computador-MP3 player da Apple tem agora a companhia de uma série de concorrentes com desenho e tecnologia semelhantes. Na área de computadores, 2009 deve ser marcado pelo avanço dos netbooks, aparelhos portáteis, pequenos, leves e com memória reduzida - apenas o suficiente para navegação na internet. Com preços até 30% menores que um notebook convencional no Brasil, esses computadores são a grande aposta da indústria tanto para mercados maduros como para países emergentes. Apenas em 2008, o segundo ano desse tipo de produto no mercado, foram vendidos cerca de 5 milhões de netbooks, de acordo com dados da consultoria Gartner. Em 2012, a mesma consultoria prevê que o número de netbooks vendidos chegará a 50 milhões. "Essa é a categoria de computadores que mais deve crescer nos próximos anos e isso já é um assunto fora de discussão no setor", diz Anderson, da Strategic News Service. "Todo mundo vai ter um desses netbooks. A única questão passível de dúvida vai ser a cor do computadorzinho." Crises costumam ser campos férteis para explosões de inovação. Todas as tendências valem apenas até surgirem outras. Eis uma das belezas do capitalismo.
Lazer em casa
A diversão doméstica ganha novo status em tempos de crise econômica. Uma nova geração de aparelhos como computador, TVs de alta definição e home theater forma verdadeiras centrais de entretenimento
Pequenos e econômicos
Inovação, preço competitivo e facilidade de uso tornaram-se requisitos obrigatórios dos produtos de tecnologia. É essa combinação que garante o apelo de produtos como a câmera Flip, os netbooks e os celulares derivados do iPhone, que continua em alta
Luxo sem exagero
Gastos com carros superesportivos, iates e aviões não pegam bem em momentos de crise. No entanto, o esportivo Nissan GT-R, o avião Icon A5 e a lancha Frauscher - com preços entre 77 000 e 185 000 dólares cada um - são as apostas da indústria para atrair os consumidores .
19/01/2009
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