Fonte: Portal PEGN
P: Como você se prepara para um ambiente feroz que não consegue prever?
R: É somente em tempos como estes que você tem uma chance de mostrar a sua força
Jim Collins, autor do best-seller
O assunto empreendedorismo tem fascinado o guru norte-americano Jim Collins. Autor de dois best-sellers do management, Empresas Feitas para Vencer e Feitas para Durar, Collins acredita que nos próximos anos iremos viver em um ambiente bem mais hostil, mas cheio de oportunidades. Como o futuro é incerto, ele acredita que o importante é ter um bom time de profissionais, capaz de construir não só uma empresa, mas todo um movimento que transforme a sociedade. Leia a seguir as reflexões sobre ao menos três décadas de pesquisas, que Collins revelou a um entrevistador de peso: Bo Burlingham, editor independente da Inc. e autor, ele próprio, de um livro campeão de vendas, Pequenos Gigantes.
O que move o empreendedorismo?
Eu convidei Steve Jobs para minha aula de empreendedorismo em Stanford em 1988 ou 1989. Ele disse: "Não estamos criando computadores. Estamos criando bicicletas para a mente". O veí culo de locomoção mais eficiente para ele era a bicicleta, e Jobs acreditava que poderia criar uma bicicleta para a mente. Era o computador pessoal. É muito diferente de pensar "estamos criando uma companhia para que todos fiquem ricos e se aposentem". Se Jobs tivesse raciocinado assim, teria abandonado o seu projeto. O mesmo vale para Yvon Chouinard, da Patagônia. Ele queria fazer produtos incríveis, mas estes teriam que tomar parte em algo maior - um modelo para pessoas que quisessem construir uma organização sustentável. Foi uma visão nobre de empreendedorismo, que muitos passaram a compartilhar.
Como você definiria o empreendedorismo?
Eu tenho uma visão ampla disso. A definição tradicional - fundar uma entidade destinada a ganhar dinheiro - é estreita demais para mim. Eu vejo o empreendedorismo mais como um conceito de vida. Todos fazemos opções sobre como vamos viver a vida. Você pode usar a abordagem de pintar por números ou pode começar com uma tela em branco. Quando você pinta por números, o resultado final é garantido. Você sabe o que vai conseguir e talvez fique bom, mas nunca será uma obra-prima. Começar com uma tela em branco é a única maneira de se obter uma obra-prima, mas há a possibilidade também de estragar tudo. Você vai escolher o kit de pintar por números ou a tela em branco? Essa é uma questão de vida, e não uma questão empresarial.
Tem a ver com a capacidade de lidar com riscos, não?
Riscos, não. Ambiguidade. As pessoas confundem as duas coisas. Meus alunos costumavam me procurar em Stanford e dizer: "Eu realmente gostaria de fazer algo meu, mas não estou pronto para assumir tamanho risco. Então aceitei o emprego na IBM". E eu dizia: "Você não está preparado para os riscos? Qual é a primeira coisa que você aprende sobre investimentos? Nunca ponha todos os ovos na mesma cesta. Você acaba de colocar todos os ovos em uma cesta que está nas mãos de outra pessoa". Como empresário, você sabe quais são os riscos. Você os vê. Você os entende e os administra. Se você entrar para a empresa de outra pessoa, poderá não conhecer esses riscos, mas eles estão lá. Você simplesmente não pode vê-los e, por isso, não pode administrá-los. Essa é uma posição muito mais exposta do que a que o empresário enfrenta. Mas existe menos ambiguidade no caminho de pintar por números: é claro, porém, mais arriscado. O caminho empresarial é ambíguo, contudo, menos arriscado. A verdade é que tudo é ambíguo, de qualquer forma. Se você acha que pode prever o futuro, está louco.
Não conheço muitas pessoas que acham que podem prever o futuro hoje em dia.
Tivemos um chamado de despertar. Algumas pessoas o receberam antes que outras. Depois do estouro da bolha em 2000, eu estava conversando com algumas empresas de capital de risco. Eles disseram: "Isso tudo é muito interessante. Mas estamos ficando sem dinheiro. A bolha estourou. Vamos morrer. O que você tem a nos dizer?" Francamente, eu não tinha nada a dizer exceto "Puxa..." Mas enquanto pensava nisso, percebi que as companhias de tecnologia estavam experimentando algo que ia acontecer com todo mundo. Uma imagem surgiu na minha cabeça. Era uma analogia com escaladas. A maioria das pessoas está no conforto do campo na base e pode continuar fazendo o que estava fazendo mesmo que haja uma grande tempestade. Mas aqueles que acordam lá no alto da montanha no meio de uma terrível tempestade encontram-se em grave perigo, como o pessoal da tecnologia depois que a bolha estourou. Pareceu-me que estávamos todos subindo para lá, quer gostássemos, quer não. Estamos rumando para um mundo caracterizado por grandes eventos, grandes forças, tempestades maciças. Vamos ser pequenos grãos de poeira vulneráveis no alto da montanha quando a tempestade surgir do nada. E, se não estivermos preparados, vamos morrer lá em cima. Ou vamos enfrentar sérios problemas.
Como você se prepara para um ambiente que não consegue prever?
Acho que hoje temos que aprender a lidar com um mundo que vai ser feroz. Não temos prática nisso. Pessoas como eu, que cresceram no período do pós-guerra, não têm experiência com volatilidade, turbulência, as incertezas do mundo que provavelmente vão definir a segunda metade da minha vida.
Sua visão soa pessimista.
Não. É somente em tempos como estes que você tem uma chance de mostrar a sua força. Acho que precisamos ter fé absoluta em nossa capacidade de lidar com qualquer coisa que seja atirada contra nós. E precisamos ter uma paranoia total e realista de que muita coisa pode ser atirada contra nós. Temos que ser capazes de juntar essas duas ideias contraditórias: estar preparados para o que não podemos prever e ao mesmo tempo ter essa fé inabalável e completa de que encontraremos uma maneira de lidar com tudo isso.
Qual é a fonte do seu otimismo?
Grande parte dela tem a ver com a jovem geração. Eles têm um senso de responsabilidade e serviço que é notável e maravilhoso. É um estado de espírito, e é coletivo. E isso é realmente poderoso. Estar conectado tecnologicamente. Não é grandioso, mas existe uma suposição básica de fazer parte de um conjunto de aspirações muito maior. O mundo pode ser realmente terrível, brutal, turbulento. No entanto, tenho esperança exatamente por causa dessa geração de jovens. Acho que devemos lhes dar as chaves assim que possível. Deixem que eles dirijam.
Como as capacidades básicas necessárias para construir uma grande empresa mudaram nos últimos 30 anos?
Os princípios básicos não mudaram, mas as técnicas estão sempre se modificando. Quer você esteja dirigindo uma empresa em 1812, 1886, 1925, 1950, 1975, 2000, 2050, não vejo nada que contradiga o seguinte princípio: o "quem" vem primeiro e o "quê" vem depois. Se você não consegue prever o "quê", precisa ser capaz de fazer um bom trabalho com o "quem". Porque o "quê" vai estar constantemente mudando.
O que exatamente o senhor quer dizer com fazer um bom trabalho com o "quem"?
Você ter uma cultura de pessoas que a) compartilham um conjunto de valores; b) têm responsabilidades muito claras; e c) transformam isso em desempenho. O que mudou foi a capacitação. Você precisa estar continuamente aprendendo. O trabalho é infinito e o tempo, finito. Então, você precisa administrar seu tempo e não seu trabalho. Necessita de um foco de laser para fazer primeiro o que é mais importante. Isso significa ter uma compreensão feroz do que você não vai fazer. A técnica é saber como filtrar a tempestade de informação que o atinge o tempo todo.
O que muda na maneira de pensar dos empreendedores?
Eu definiria quatro etapas pelas quais o empreendedorismo passou nos últimos 30 anos. Na Etapa 1, você tem uma ótima ideia. Depois passamos à Etapa 2, em que você constrói uma empresa de sucesso. Então, na década de 1990, chegamos à etapa seguinte: erguer uma grande companhia. É diferente, porque uma grande companhia terá, com o tempo, muitas empresas de sucesso. Hoje penso que podemos estar no auge de uma Etapa 4. Acho que podemos estar na etapa de passar de uma grande companhia para um grande movimento.
Um movimento?
Sim, um movimento. Algo maior que a companhia. Pense nos primeiros dias da Apple, que passou por todas essas etapas. Eles começaram com uma grande ideia: "Puxa, temos esse computador bacana que as pessoas querem". Então eles construíram uma grande empresa ao redor do Apple II. Depois veio o passo conceitual de dizer: "Na verdade, a Apple é uma companhia a partir da qual muitas coisas vão acontecer". A mudança foi muito clara. E, além disso, havia toda a noção de um movimento - colocar a tecnologia nas mãos das pessoas e lhes dar muito mais poder.
Em outras palavras, não se trata apenas de ter uma boa ideia ou construir uma empresa de sucesso, ou mesmo uma companhia de sucesso. O movimento é a expressão máxima da ideia.
Bem, você não pode ter uma grande companhia se não tiver uma empresa de sucesso e não pode ter uma empresa de sucesso se não tiver pelo menos uma ideia com que trabalhar. Por isso, para ser um empreendedor da Etapa 4, você precisa ter a 3, a 2 e a 1. Você não pode construir um movimento sem ter por baixo uma empresa forte, estrategicamente sólida, mantida por um conjunto de processos e valores realmente eficaz. Criatividade e disciplina andam de mãos dadas.
Um movimento engloba empreendedores sociais?
Acho que, com o passar do tempo, a divisão entre o setor social e o setor econômico se tornará cada vez mais imprecisa. Costumamos pensar que o setor econômico vai ensinar o setor social e que este é menos sofisticado. Estamos errados. Os líderes de organizações do setor social precisam fazer as coisas sem as alavancas de poder disponíveis aos líderes do setor empresarial. Os donos e executivos de empresas têm uma quantidade tremenda de poder concentrado. Eles não precisam realmente liderar. Se eu colocar uma arma na sua cabeça, posso obrigá-lo a fazer muitas coisas. Nas organizações do setor social o poder é difuso. Para realizar é preciso realmente liderar. Se você quer criar um movimento pode encomendá-lo, pedi-lo ou desejar sua existência exercendo um poder concentrado. Simplesmente não vai funcionar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário