Fonte: Portal EXAME
Após tirar a Procter&Gamble do pior momento de sua história, A.G. Lafley deixa a presidência como um dos executivos mais incensados do mundo. Em entrevista exclusiva a EXAME, ele fala sobre a importância de colocar o cliente no centro da estratégia da companhia
A passagem de executivos por algumas das maiores empresas americanas lembra cada vez mais uma apresentação pirotécnica. Barulhenta e breve. O caso mais recente é o de Bob Nardelli, que deixou a presidência da problemática montadora Chrysler no início de junho, meros 20 meses depois de assumi-la. Nesse contexto, o executivo Alan George Lafley (mais conhecido pela sigla A.G.), presidente mundial da Procter&Gamble, representa uma exceção. Lafley percorreu o caminho oposto ao roteiro de ascensão e queda em que se começa celebrado para logo cair no esquecimento. Quando assumiu o cargo, em junho de 2000, Lafley era um azarão. A P&G, uma gigante em apuros. Ao final daquele ano, a companhia havia perdido 85 bilhões de dólares em valor de mercado em relação a 1999 - uma redução equivalente a 40% de seu valor total na época. Pouco conhecido fora dos muros da Procter, apesar de seus quase 30 anos de casa, Lafley não dava a menor pinta de que poderia desempenhar o papel de salvador da pátria. O descrédito do mercado resultou numa queda imediata de quase 10% do valor das ações no dia seguinte à sua nomeação. Ao longo dos últimos nove anos, porém, Lafley calou seus críticos. Após dobrar as vendas da empresa, que chegaram a 84 bilhões de dólares em 2008, hoje é um dos executivos mais incensados dos Estados Unidos. Desde que ele assumiu o cargo, os papéis da Procter& Gamble valorizaram cerca de 150%.
A história tornou Lafley um dos objetos de estudo prediletos de diversos especialistas em negócios. Entre eles Noel Tichy, da Universidade de Michigan, e Joseph Bower, da Universidade Harvard. "Lafley está entre os líderes mais eficientes do século 21", afirma Tichy, que contou a transformação da P&G no livro Decisão, lançado em dezembro de 2007. O próprio executivo escreveu um livro sobre sua trajetória na P&G, lançado em junho de 2008 e que esteve na lista dos dez mais vendidos nos Estados Unidos. Em O Jogo da Liderança, Lafley conta como abriu os laboratórios da empresa para parceiros de inovação - capazes de acelerar e baratear o desenvolvimento de novos produtos. Também descreve como pôs em prática a velha teoria de colocar o cliente no centro da estratégia. Um dos artifícios mais inusitados nesse sentido foi a criação de Joanne, uma boneca de papelão. Símbolo da consumidora padrão da Procter, ela até participa de reuniões. Segundo Lafley, em momentos decisivos ainda hoje todos se voltam para ela e perguntam: "O que Joanne pensaria disso?"
Lafley diz nunca ter sonhado seguir a carreira corporativa. Seu plano era se tornar professor e treinador de basquete. Nos anos 60 estudou história, política e artes em Paris. De volta aos Estados Unidos, em 1969, iniciou um pós-doutorado em estudos medievais e renascentistas. Convocado pelo Exército, cumpriu serviço militar na área de varejo de uma base americana no Japão - experiência que o levou a se interessar por negócios. Cursou administração em Harvard e ingressou na P&G em 1977, de onde nunca saiu.
Aos 62 anos, Lafley deixa o cargo no dia 1o de julho nas mãos de Bob MacDonald, atual vice-presidente de operações. Daqui para a frente, ele acompanhará a trajetória da P&G como presidente do conselho de administração. De seu escritório em Cincinnati, nos Estados Unidos, Lafley deu uma entrevista exclusiva a EXAME.
O papel de um presidente muda durante uma crise?
Acho que não. Pelo menos não para mim. Levo ao pé da letra até hoje o que Peter Drucker um dia me disse sobre a missão do presidente: fazer com que a prioridade dos consumidores seja também a prioridade da empresa. Isso significa entender que nosso chefe de verdade é o consumidor. A partir da definição de quem é nosso cliente, decidimos quais negócios vamos manter ou não. A única diferença é que, durante uma crise, fica mais difícil redefinir prioridades.
O senhor já disse que, em seu primeiro dia como presidente, se viu sem resposta para boa parte das perguntas que lhe faziam. O senhor se sentiu na mesma situação na crise atual?
Sim. Em tempos como estes, quando há muita mudança acontecendo muito rápido, nem sempre temos todas as respostas. O importante é saber como encontrá-las - e elas estão sempre fora dos muros da empresa.
Como o senhor busca essas respostas?
Passo até 75% do tempo fora do escritório. Também tenho ligado pelo menos uma vez por semana - e visitado todos os meses - para os principais varejistas. No começo deste ano estive no Brasil e aproveitei para visitar casas de clientes. Tenho de ser honesto. Não posso ter uma ideia aprofundada das necessidades do mercado brasileiro com apenas uma visita. Mas posso servir de modelo para a organização, de modo que todos percebam que essa é uma atitude importante.
Qual tem sido seu maior dilema nos últimos meses?
Temos de tomar decisões difíceis, como sacrificar o lucro neste ano para assim conseguir manter investimentos em inovação e novas fábricas, sobretudo em países emergentes. Hoje, servimos 2 bilhões de pessoas com nossos produtos. Achamos que podemos servir mais 1 bilhão pelo mundo até o final da década aumentando as vendas em países como Brasil e Índia. Dessa maneira, temos de desapontar alguns acionistas que estão olhando para o curto prazo. Outra decisão difícil é pensar em quais negócios não queremos mais investir.
É mais difícil escolher onde não estar que onde investir?
Sempre é mais difícil decidir o que não fazer do que o que fazer. Principalmente para uma companhia centenária, em que as pessoas acreditam que podem ser bem-sucedidas em qualquer negócio em que escolhermos estar. Tive momentos desafiantes nos últimos nove anos tirando a empresa de certos mercados de comida e bebida. Abandonamos misturas para bolo, óleos de cozinha e manteiga de amendoim, por exemplo. Eram negócios que definiam a empresa há décadas, mas não eram próprios para nossa meta de globalização. Um dos motivos é que essas categorias não exigem alta tecnologia ou inovação. Os competidores são marcas próprias ou milhares de marcas locais. Hoje estamos procurando comprador para nosso negócio farmacêutico.
O senhor já foi definido, pela revista Fortune, como anti-CEO, por fugir do estereótipo do executivo que atrai holofotes. Por que o senhor acha que a definição de presidentes de grandes empresas se misturou com a imagem de uma celebridade?
Realmente não sei. Posso dizer como eu me vejo. Eu não sou o chefe. O chefe é o consumidor. E consideramos o consumidor nosso stakeholder mais importante. Poderíamos ter escolhido o acionista, os funcionários, os consumidores, os fornecedores. Mas escolhemos os consumidores - são eles que escolhem e usam nossas marcas e decidem se vamos ser bem-sucedidos ou não.
Como o senhor escolheu seu sucessor?
A transição foi planejada por vários anos. Bob tem quase 30 anos de casa, como eu quando assumi. Trabalhamos lado a lado há vários anos. Nesse período, se tornou claro que ele é a pessoa certa para levar a companhia para a frente. Mais do que qualquer coisa, ele sabe quem é o chefe.
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