09 outubro 2008

ECONOMIA - John Williamson e a busca pelo capitalismo civilizado

Fonte: News Amanhã




O formulador do Consenso de Washington admite que a crise pode fortalecer os defensores do intervencionismo estatal. Mas alerta: o sistema mais eficiente ainda é o capitalismo europeu – que desperta a cobiça, porém distribui renda.

Em 1989, no embalo da queda do Muro de Berlim, algumas das instituições financeiras mais importantes do mundo se reuniram em Washington e formularam um conjunto de medidas liberalizantes para – em tese – acelerar o desenvolvimento dos países emergentes. O receituário ficou conhecido como “Consenso de Washington”, de acordo com a síntese elaborada pelo economista inglês John Williamson. Hoje, 20 anos depois, o Consenso é visto por muitos críticos como o receituário que definiu os contornos do “neoliberalismo”, que prega o Estado Mínimo e a desregulamentação da economia. Como fica esse ideário ante a crise que abala o mundo das finanças, atualmente? Os ideais neoliberais estão condenados? O mundo está próximo de sofrer uma guinada regulatória para evitar um novo desmoronamento dos mercados? Para responder essas e outras perguntas, AMANHÃ procurou o próprio John Williamson, nos Estados Unidos. O formulador do Consenso de Washington esclarece que é a favor de um “capitalismo civilizado” e que nunca defendeu o fundamentalismo de mercado, como fazem crer os críticos de suas idéias. Confira a íntegra da conversa:


O que mudou no mundo, tal como se apresenta agora, ante aquela realidade de 20 anos atrás, quando o senhor formulou a expressão "Consenso de Washington"? A grande mudança é o reconhecimento da importância das instituições. Esta questão pouco apareceu no consenso original, porque não estava em discussão naquela época. Aliás, eu pensava que o "market fundamentalism" (fundamentalismo de mercado) já tivesse morrido com o fim do governo Reagan. Não imaginava que pudesse voltar, como aconteceu no governo de George W. Bush. O Consenso não celebrou as idéias de Reagan - apenas discutiu o que sobreviveu das idéias dele, após o seu governo.

Como assim? Reagan começou com várias idéias que, hoje, estão descritas como neoliberais: a defesa do Estado Mínimo, a visão de que a maneira de restaurar a disciplina fiscal deve ser o corte das despesas do governo, uma taxa de câmbio flutuando livremente, a eliminação de controle de câmbio, as privatizações, etc. O governo de Bush (pai) tinha abandonado a maioria desses ideais. O que eu incorporei no Consenso foram só aquelas idéias que sobreviveram, como privatização.

Que evidências o senhor vê de que o fundamentalismo de mercado ressurgiu no governo de George Bush?Principalmente, o fato de que Bush não mostrou nenhum interesse na distribuição de renda - o que está demonstrado por sua decisão de cortar impostos em benefício, em primeiro lugar, de gente que já havia ganhado muito. Em segundo lugar, o fundamentalismo de mercado se evidencia pelo viés de interpretar desregulamentação como a simples eliminação de regulamentos de todo tipo...

A intervenção do governo americano em grandes instituições financeiras abrirá precedente para uma maior participação do Estado na economia dos Estados Unidos? Duvido. Intervenções podem acontecer, mas como medidas isoladas. Os princípios de uma economia de mercado são preponderantes nos Estados Unidos. E entre estes princípios está o reconhecimento de que, às vezes, uma empresa está fadada a fracassar porque uma outra competidora se tornou mais eficiente que ela, e a longo prazo todo mundo se beneficiará caso a velha companhia não seja salva.


Essa crise deverá gerar um aumento da regulação dos fluxos de capitais? Quais restrições deverão surgir a partir de agora? Não acredito que a crise levará a um controle regular dos fluxos de capitais. Mas acho que pelo menos ela poderá diminuir a pressão que vinha existindo no sentido de que os fluxos de capitais devessem ser liberados rapidamente.

Nas crises anteriores, que tinham como origem os países emergentes, os capitais buscavam proteção nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Desta vez, serão os países emergentes que se beneficiarão com a atração de capitais em busca de novas e mais sólidas oportunidades?Duvido outra vez. Os capitalistas vão se sentir desconfortáveis em todo o lugar - nos Estados Unidos, é claro, mas também nos países emergentes.


Quais serão as conseqüências desta crise sobre a credibilidade das convicções liberais? Os defensores de uma intervenção mais forte do Estado sobre os mercados ganham argumentos com a atual crise?Infelizmente, é bem provável que os defensores de uma intervenção forte do Estado venham a ganhar mais influência. Embora seja difícil argumentar neste momento, eu ainda acho que o sistema preferível é o "capitalismo civilizado", como em geral ocorre na Europa


O que caracteriza o modelo europeu como um "capitalismo civilizado"? Com a ressalva de que há diferenças entre os vários países, em geral o modelo europeu favorece a utilização do capitalismo na produção e, assim, viabiliza a exploração do interesse próprio, ou "greed" (ambição, gula), em vez de combatê-lo, recorrendo a impostos mais altos para operar uma grande redistribuição de renda.


Caminhamos para um novo modelo, um novo consenso, na sua opinião? Ou estamos ingressando numa nova era de disputa ideológica e ausência de acordos?Sou muito cético sobre a emergência de um novo consenso. O ano de 1989 foi muito especial, até porque havia um clima mais favorável ao consenso naquele momento. Hoje, porém, está bem claro que eu exagerei no grau de consenso. Parece que nós vamos debater permanentemente, inclusive sobre assuntos que deveriam ser objeto de entendimento. Acho que o Consenso de Washington, tal como eu o descrevi em 1989, ainda é relevante, mas eu gostaria de adicionar, hoje, o fortalecimento das instituições - e não simplesmente das políticas.


Na sua avaliação, que importância terão os países emergentes, como Brasil e China, nos fóruns mundiais de debate sobre soluções para a normalização dos mercados? Os países emergentes são cada vez mais importantes, mas ainda num sentido negativo. Ou seja, eles têm a habilidade de vetar soluções, mas não de criar novos caminhos de acordo.

Na medida em que os países emergentes tiverem mais peso nas instituições multilaterais, pode-se esperar que eles se tornem mais propositivos para a criação de novos consensos?Espero que sim, mas não ficarei surpreso se for necessário esperar o resto da minha vida para ver isso acontecer!


O termo "Consenso de Washington" acabou sendo utilizado de maneira incorreta, na sua avaliação? O termo vem sendo utilizado de várias maneiras. Eu gostaria que todo mundo comecasse a usá-lo da mesma maneira que eu. Mas já reconheci, há muito tempo, que isso nao vai acontecer e que é necessário aceitar usos diferentes.


09/10/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário


INEX
| PORTO ALEGRE | SÃO PAULO | BRASIL
www.inexestrategia.com.br