10 outubro 2008

GESTÃO - Mais para os melhores

Fonte: EXAME

Porto Alegre mostra que funcionário público pode — aliás, deve — perseguir metas e ser recompensado quando consegue atingi-las.
Em junho deste ano, 15 funcionários da prefeitura de Porto Alegre passaram duas semanas nos Estados Unidos. Não, esta não é mais uma daquelas histórias escandalosas de servidores públicos que fazem turismo à custa do contribuinte. Nesse caso, servidores, todos concursados, participaram de um treinamento na escola de negócios da Universidade George Washington, na capital americana, uma referência mundial na área de gestão pública. Durante o curso, os alunos assistiram a quase uma dezena de palestras sobre questões como o impacto da globalização no setor público e o funcionamento de parcerias público-privadas. Também visitaram várias instituições, entre elas o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, onde aprenderam como esses organismos funcionam e o tipo de financiamento que oferecem a governos de todo o mundo. A experiência teve um sabor especial para os participantes: o do reconhecimento, algo raríssimo no ambiente do funcionalismo. “Sou concursada há 19 anos e nunca tinha feito um curso fora do país”, afirma Viviane Maria Loss, pedagoga de 44 anos e primeira colocada na seleção dos funcionários premiados com a viagem a Washington. “Além do aprendizado, não dá para negar o orgulho de sermos reconhecidos pelo nosso trabalho.”
A experiência da prefeitura de Porto Alegre merece destaque justamente por se basear no conceito de meritocracia, prática quase inexistente nos órgãos de governo brasileiros. Viviane e os outros 14 servidores que participaram do curso nos Estados Unidos formam uma espécie de tropa de elite da capital gaúcha. Eles foram os primeiros colocados entre 131 inscritos no Sistema de Reconhecimento e Capacitação, competição criada pela prefeitura no início do ano com o objetivo de capacitar funcionários com cargo de chefia. Os que tiveram melhor avaliação foram premiados com o curso de duas semanas em Washington, e os 20 seguintes foram a Brasília para participar de um congresso de três dias sobre gestão pública. “Foi uma satisfação receber esse grupo, por saber como e por que essas pessoas chegaram aqui”, diz James Ferrer, diretor do centro para assuntos latino-americanos da Universidade George Washington. “Sabíamos que o curso era um prêmio dado a pessoas avaliadas com base em critérios objetivos, não por serem parentes ou afilhadas de algum político.”
De fato, o grupo passou por uma maratona de provas. Os 131 foram avaliados em três fases. Primeiro, pelo desempenho obtido em um curso de gestão de projetos elaborado pela prefeitura em parceria com entidades e escolas do setor privado: o Movimento Brasil Competitivo, o Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade e a Escola Superior de Propaganda e Marketing. A avaliação também considerou o desempenho das áreas em que cada um trabalha. Por fim, todos foram entrevistados por auditores de consultorias privadas especializadas em gestão. Nessa fase, os auditores testaram não apenas se os funcionários tinham conhecimentos de gestão mas também se os aplicavam no dia-a-dia. “Um dos grandes méritos desse sistema de avaliação foi a transparência em todas as fases do processo”, afirma Luiz Pierry, presidente do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade. A maneira de aumentar a transparência foi encontrada na parceria com as três entidades independentes, que participaram desde a definição de quem poderia entrar na competição até a forma de dar nota aos concorrentes. Uma das regras estabelecidas foi que só profissionais concursados pudessem participar. “O objetivo é que o conhecimento adquirido nos treinamentos permaneça na prefeitura, o que não aconteceria se profissionais comissionados participassem, pois eles vão embora quando o prefeito muda”, diz Pierry.
O Sistema de Reconhecimento e Capacitação de Porto Alegre faz parte de um programa mais amplo, que começou a ser implantado em 2005, de modernização da administração municipal. A descrição das transformações e a maneira como elas foram realizadas até agora são, no mínimo, surpreendentes. “Pelo menos os conceitos e as tecnologias de gestão estão afinados com o que há de melhor nas empresas privadas”, diz Carlos Arruda, professor da escola de negócios Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. O primeiro passo das mudanças foi a definição de três grandes objetivos para nortear os quatro anos de mandato do atual prefeito José Fogaça. São eles: garantir o equilíbrio das contas públicas, promover a inclusão social e fazer isso tudo buscando a sustentabilidade ambiental. A partir daí, foram estabelecidos 21 programas estratégicos como meio de alcançar os objetivos — todos geridos por funcionários de carreira. Esses 21 programas, por sua vez, desdobraram-se em mais de 470 ações de trabalho, atreladas a metas e indicadores. Em suma, foi criado um mapa estratégico, implantado por meio do que se chama balanced scorecard, metodologia de gestão de estratégia elaborada pelos americanos David Norton e Robert Kaplan e utilizada por muitas das maiores empresas globais.

Aos vencedores, o reconhecimento
Para promover a melhoria dos serviços à população, a prefeitura de Porto Alegre está inserindo o conceito de meritocracia entre os funcionários públicos municipais
O desafio
No primeiro semestre deste ano, foi lançada uma espécie de competição entre os servidores que ocupam postos de chefia em 21 programas municipais considerados estratégicos
A avaliação
Os 131 servidores inscritos participaram de um curso de gestão e fizeram entrevistas e provas. Além disso, foi avaliado seu desempenho à frente dos programas que administram
Quem avaliou
Uma comissão externa, formada por representantes do Movimento Brasil Competitivo, do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade e da faculdade ESPM
Os prêmios
Os 15 primeiros colocados ganharam um curso de duas semanas na Universidade George Washington, e os 20 seguintes participaram de um congresso de gestão pública em Brasília
Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre
A adoção do sistema de mapa estratégico pela prefeitura tem um valor adicional: o aumento da transparência que essa metodologia de trabalho exige. Um dos elementos-chave é a divulgação do mapa para que ele possa ser acompanhado por todos os envolvidos no trabalho — no caso de Porto Alegre, o mapa está publicado no portal da prefeitura na internet, aberto a qualquer pessoa. As avaliações regulares, também obrigatórias, são fundamentais para a elevação da transparência. A evolução do mapa estratégico é acompanhada mensalmente, com notas dos resultados de cada programa. Fora isso, a cada três meses os gerentes dos projetos e os secretários municipais prestam contas ao prefeito, às instituições e aos empresários que participaram da elaboração e do financiamento do novo modelo de gestão. “Com esse tipo de exposição, não dá para um secretário não se envolver com o batente e ficar apenas fazendo política”, afirma Pierry.

Entre os resultados mais visíveis da mudança administrativa está a virada das contas de Porto Alegre, que saiu de um déficit de 81 milhões de reais em 2004 e mantém superávit financeiro há três anos, sem aumentar impostos. Com isso, a prefeitura se habilitou a pedir empréstimos estrangeiros, como um financiamento de 83 milhões de dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento, destinado a ampliar o tratamento de esgoto na cidade. “Nesse caso, o eixo financeiro tornou possível a melhoria ambiental e de qualidade de vida”, diz Clóvis Magalhães, secretário de gestão e acompanhamento estratégico.

Um resultado que só será computado no próximo ano é o aumento do número de salas de aula com equipamentos para ensino de crianças surdas, cegas ou com deficiência mental. Em agosto, o Ministério da Educação aprovou recursos para a criação de mais dez salas desse tipo em 2009. A conquista foi resultado do curso realizado na Universidade George Washington. “Durante a visita ao BID, descobri que o programa do MEC destinado a aumentar a inclusão de crianças com deficiência é patrocinado pelo banco”, afirma Viviane Loss, líder da ação responsável pela ampliação do atendimento escolar a estudantes com necessidades especiais. Assim que chegou ao Brasil, Viviane entrou em contato com o ministério e, após algumas ligações, recebeu a resposta de que teria recursos para cinco novas salas. Ela não se satisfez: “Eu sabia que poderia reivindicar mais devido às características da cidade e do nosso programa”. Após novas negociações, Viviane recebeu a aprovação para o dobro de salas.
É claro que Porto Alegre não é um modelo acabado de gestão pública, e os próprios servidores reconhecem isso. “Ainda temos muito a fazer e nem sabemos se vamos continuar nos mesmos cargos quando a prefeitura mudar”, afirma Júlio Abrantes, gerente do programa Gestão Total, responsável pela colocação em prática das mudanças de gestão. “Mas a experiência que adquirimos ao trabalhar no novo modelo torna mais difícil um retrocesso na prefeitura.” O que dá para afirmar, por enquanto, é que a cidade começou a trilhar o caminho da modernidade da gestão pública — uma das batalhas mais prementes que o Brasil terá de travar para ocupar um lugar no mundo desenvolvido.
10/10/2008

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