Por Larissa Santana
Clubes rivais são patrocinados por empresas concorrentes em MG e SP; em BA e RS, tática é a inversa e a mesma companhia banca os maiores times para evitar a rejeição de torcidas inflamadas
A disputa por consumidores entre companhias rivais está ganhando cada vez mais fôlego no palco de outros embates: os gramados. Empresas ansiosas por embarcar no aumento do poder de compra dos brasileiros transformaram os campos de futebol, férteis para a publicidade, em cenário de competição acirrada também para os negócios por meio do patrocínio a grandes equipes.
Caso mais recente é o contrato da construtora Tenda com o Cruzeiro, de Minas Gerais. O patrocínio fechado por um valor não divulgado vai fazer com que as partidas entre a equipe celeste e o arqui-rival Atlético Mineiro, que já aceleravam a pulsação de muito torcedor, deixem empresários do mercado imobiliário grudados na tela da TV. Motivo: na camisa dos atletas do Galo está estampado o nome da MRV Engenharia, concorrente da Tenda em um setor que tem deslanchado e promete crescer com a expansão do crédito na economia. Cada lance que receber a aproximação de uma câmera em um clássico entre Cruzeiro e Atlético – o próximo deve acontecer em 23 de setembro, pelo Campeonato Brasileiro – tem o potencial de expor as marcas das duas construtoras a 4, 5 milhões de espectadores. A MRV já vinha explorando esse potencial desde 2004, quando iniciou sua relação com o Atlético em um contrato de 2 milhões de reais. O valor atual não é divulgado. Agora a Tenda, uma empresa de construção popular focada nas classes C e D, resolveu não ficar atrás. Mas sem pensar em competição com a MRV, segundo o seu presidente Henrique Alves Pinto. "Estudamos diversos times, em diversos estados, para popularizar a marca. Chegamos à conclusão de que a melhor relação entre custo e benefício seria o Cruzeiro, pelos títulos que a equipe já conseguiu", afirma.
Seja motivado pela análise financeira, pela presença de um concorrente também mineiro nos gramados ou pelo fato de Alves Pinto se declarar cruzeirense, o fato é que o patrocínio representou a volta da Tenda ao futebol depois de quase uma década, e em um momento em que a MRV ganhava exposição com o anúncio de uma abertura de capital. De janeiro de 1997 a janeiro de 1998, a Tenda já havia recorrido ao patrocínio para crescer em Minas Gerais. A curiosidade é que a equipe escolhida na época foi o Atlético Mineiro. O ano de investimento resultou em crescimento de 15% das vendas, segundo o presidente da construtora. A interrupção do patrocínio veio com a busca por novas mídias, e, só agora, diz a Tenda, apareceu a oportunidade de voltar ao futebol em um time grande. Quem trabalha com marketing esportivo, no entanto, não encara a decisão da construtora como alheia à concorrência no mercado imobiliário. "O patrocínio hoje é um grande negócio, que envolve estratégia, investimento e planejamento. A Tenda deve ter percebido que o trabalho da MRV no Atlético está dando resultado e decidido que esse era um bom caminho a seguir", afirma Rafael Plastina, gerente de marketing e desenvolvimento da consultoria especializada Informídia. A MRV, por sua vez, também diz não ter considerado o patrocínio anterior da Tenda ao optar pelo Atlético. "A escolha veio pelo fato de a construtora possuir suas raízes em Minas Gerais e querer associar sua marca a um grande time que tem uma enorme torcida", diz Eduardo Barretto, vice-presidente comercial.
A aposta no futebol, tanto por parte da Tenda quanto da MRV, vem da crença de que a exposição da marca durante a transmissão de partidas, na cobertura da imprensa e nas milhares de camisas vendidas todos os anos a torcedores garantem uma forma mais eficiente de publicidade. Em primeiro lugar, porque o futebol é o esporte de maior popularidade no país. Pesquisa realizada pela Informídia no fim de 2006 com 500 pessoas, apenas na cidade de São Paulo, mostrou que o esporte é o preferido de 80% dos homens e 45% das mulheres entrevistados. Em segundo lugar, porque a grande freqüência com que os times aparecem na mídia – em jornais e programas televisivos diários, sites de notícias, revistas periódicas – faz com que as empresas que os financiam estejam constantemente em evidência. Oitenta por cento dos homens e 59% das mulheres se lembram de ter visto o nome de um patrocinador em alguma partida ou cobertura de futebol, ainda de acordo com a pesquisa da Informídia.
"Um anúncio caro no intervalo do Jornal Nacional, por exemplo, te daria uma única inserção, um anúncio de 30 segundos, sem contar a dispersão das pessoas e a troca de canal. Não acredito que um investimento como esse dê mais retorno à marca do que o marketing no futebol", diz Eduardo Toni, diretor da LG, patrocinadora do São Paulo desde 2001. A companhia coreana também é uma das protagonistas da concorrência por mercado nos gramados, contra Samsung, patrocinadora do Corinthians, e Semp Toshiba, patrocinadora do Santos. As três brigam principalmente no mercado de televisores: enquanto a Semp Toshiba se diz líder em vendas totais de aparelhos no Brasil, a LG invoca o primeiro lugar na comercialização de televisões de tela fina – somando plasma e LCD – e a Samsung afirma estar no topo em TVs de LCD. No mercado de monitores de computador, Samsung e LG costumam se proclamar líderes, sempre baseadas em números próprios. A LG foi a primeira das quatro a chegar ao futebol, com um contrato que hoje vale 15 milhões de reais por ano, valor que quase dobrou desde 2004. A Samsung, que tem ficado ano após ano atrás da concorrente em faturamento no Brasil – a receita foi de 1,6 bilhão de dólares no ano passado, contra 1,8 bilhão de dólares da LG -, decidiu apostar no Corinthians em 2005, com um patrocínio de 6,1 milhões de dólares por ano que subiu para 6,7 milhões (pouco mais de 12 milhões de reais) depois de títulos que a equipe conseguiu. A entrada da Samsung no futebol, para Maurício Campos, diretor da empresa de marketing esportivo da Speed Sports, foi uma reação a uma iniciativa bem-sucedida da LG. "É uma forma de garantia de mercado", diz o especialista. A Samsung nega que a investida no Corinthians seja reflexo da investida da LG. "Nossa estratégia é mostrar que a marca tem comprometimento com o Brasil", diz José Roberto Campos, vice-presidente executivo da companhia. Parece ter dado certo. Segundo a Informídia, hoje a Samsung é a marca atrelada a esporte mais lembrada espontaneamente pelos paulistanos, deixando a LG no posto de vice. Atrás vêm Pirelli, atual patrocinadora do Palmeiras, Habib’s, patrocinador do São Paulo, e Parmalat, ex-patrocinadora do Palmeiras.
A mais novata das três concorrentes no futebol de São Paulo, a Semp Toshiba, chegou para embolar o meio de campo da disputa em março deste ano. Um contrato, de valor não divulgado, mas que já chegou a ser estimado em 6 milhões de reais por ano, colocou a marca da empresa no uniforme do Santos – antes estampado por uma outra rival, a Panasonic. A empresa nega ter seguido os passos das rivais, e declara que o patrocínio foi apenas mais uma forma de investimento para alcançar o público interessado em futebol. Há três anos, segundo o diretor de marketing Oswaldo Ubrig, a Semp Toshiba investe em patrocínio de programas esportivos de rádio e em espaço publicitário na transmissão de jogos. "Sabemos que no mercado de eletrônicos quem decide a compra é preponderantemente o público masculino", afirma. Para a LG, o fato de os concorrentes também terem implementado patrocínios não representa um empecilho, e sim um reconhecimento. "Vemos com isso que a nossa estratégia foi boa, porque todo mundo copiou. A competição é assim mesmo", diz Eduardo Toni, diretor de marketing da LG.
Rejeição
Há, no entanto, empresas que acreditam que o investimento em equipes de futebol pode afastar consumidores. A Fiat é uma delas. A montadora investe no Bahia e no Vitória, duas equipes importantes baianas, para não sofrer rejeição de nenhuma torcida. O Banrisul também patrocina os rivais Grêmio e Internacional, com medo de ficar em maus lençóis com os gaúchos. Os mesmos times foram patrocinados pela GM em 1998, quando a empresa estabeleceu sua fábrica no sul. Na época, montar o programa de patrocínio não foi fácil. O valor dos contratos era o mesmo para as duas equipes – 2 milhões de dólares para cada um anualmente, em um total de três anos - e as reuniões de negociação eram sempre realizadas com a presença de representantes das duas equipes.
A Tenda não acredita que o fato de bancar o Cruzeiro, e de já ter patrocinado antes o Atlético, afastará consumidores. "O patrocínio gera um índice de simpatia muito grande. Mas não influencia na hora da compra de um bem de valor agregado tão alto como um apartamento", diz o presidente Alves Pinto. MRV, LG, Samsung e Semp Toshiba também descartam qualquer possibilidade de rejeição. Para Rafael Plastina, da Informídia, a prova de que a paixão dos torcedores não influencia na compra de produtos é o caso da Parmalat, hoje ainda entre as marcas mais lembradas na associação com o futebol: "A Parmalat foi líder de mercado em todos os anos em que patrocinou o Palmeiras. Onde está essa rejeição?".
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