A cada virada do ano, os analistas econômicos se dedicam a um esporte de alto risco: fazer previsões sobre índices muitas vezes imprevisíveis, como o crescimento do produto interno bruto e as futuras oscilações da taxa de juros, do câmbio e da bolsa de valores. Para 2008, a bola de cristal dos economistas traz uma revelação inequívoca: depois da tempestade das hipotecas subprime nos Estados Unidos, chegou a hora da faxina. "O primeiro semestre será crítico para determinar o desfecho da crise, com mais bancos vindo a público para admitir e assimilar grandes perdas", diz David Wyss, economista-chefe da agência de classificação de risco Standard&Poors. "Se os bancos centrais conseguirem garantir liquidez aos mercados, ao mesmo tempo em que as pressões inflacionárias nos Estados Unidos sejam contidas, é possível que o segundo semestre seja mais promissor." Caso contrário, a economia americana poderá viver uma recessão significativa, com estragos ainda mais graves do que os já provocados pela desaceleração em curso -- hipótese levada cada vez mais a sério pelos analistas. Nas últimas semanas, aumentou o número de economistas que já falam abertamente na possibilidade de uma contração mais forte. O mais recente relatório do banco de investimentos Merril Lynch avalia que a chance de recessão em 2008 é de 100%. O banco Bear Stearns, um dos mais castigados pela tormenta, acaba de registrar o primeiro prejuízo trimestral, de 854 milhões de dólares, em seus 84 anos de história. Para Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, a economia do país começa a viver os primeiros sintomas de "estagflação", termo usado para indicar um período de ausência de crescimento associado à alta de preços. O clima de apreensão é tamanho que o presidente Bush declarou que, se há prejuízos a contabilizar, os bancos "precisam fazer isso agora". Como era de esperar de um sistema global, a ressaca ianque tende a provocar um efeito dominó, castigando economias que também produziram bolhas imobiliárias nos últimos anos, caso de parte da Europa, da Ásia e da Austrália.
Mesmo no caso de países como o Brasil, com contas externas em dia e política monetária austera, a crise deverá trazer respingos negativos. "Num ambiente externo desfavorável, o atual crescimento da economia brasileira, na casa dos 5%, é insustentável," diz John Welch, vice-presidente de estratégia soberana do banco de investimentos Lehman Brothers de Nova York. "Se o governo Lula tiver uma reação responsável ao fim da CPMF, limitando os gastos públicos, o Brasil deverá crescer em torno de 4,4% em 2008". Há quem trace cenários bem menos otimistas, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, para quem o Brasil crescerá apenas 3%. Segundo ele, o aumento do consumo interno não será suficiente para compensar os efeitos de uma retração na demanda externa, causada sobretudo pela possível queda na exportação de commodities para países como a China.
Diante de tal piora nos humores, muita gente tem se voltado para os chamados países do Bric -- Brasil, Rússia, Índia e China --, indagando se eles serão capazes de gerar um crescimento econômico suficiente para compensar a crise nos países desenvolvidos. A percepção é de que, se a economia americana efetivamente embicar para baixo, será pedir demais às quatro nações emergentes que contrabalancem desde já o baque na maior potência do mundo. De acordo com o economista Robert Shiller, célebre por vaticinar que a "exuberância irracional" do mercado de ações americano nos anos 90 acabaria mal, o peso dos emergentes na criação da riqueza global tem sido exagerado, num efeito semelhante ao da ilusão de ótica. "Na realidade, as economias da China e da Índia são apenas uma fração minúscula do PIB mundial -- juntas, representam 7%", escreveu Shiller num artigo para o jornal The New York Times. Por outro lado, apesar de ter uma participação declinante, os Estados Unidos ainda representam 28% do PIB global. É, portanto, na terra do Tio Sam, onde a crise eclodiu, que o seu destino também deverá ser decidido.
Até agora, o efeito mais perverso da desaceleração americana, com certo grau de contágio na Europa, é a contração do crédito. Traumatizados pelos calotes dos mutuários de baixa renda, perdas estimadas em mais de 400 bilhões de dólares, os bancos americanos estão se recusando a conceder novos empréstimos, travando o sistema financeiro. Segundo Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs, uma instituição que até agora tem escapado ilesa da crise, o prejuízo dos bancos provocará uma contração de crédito nos Estados Unidos da ordem de 2 trilhões de dólares. É por isso que os bancos centrais dos países ricos têm injetado liquidez no sistema. Recentemente, o Banco Central Europeu emprestou mais de 500 bilhões de dólares a juros camaradas para bancos em dificuldades. Mas a maioria dos analistas questiona os resultados de tal estratégia.
Se o futuro parece incerto, mais seguro é olhar para o passado e tentar tirar lições. Um ensinamento é a noção de que os chamados ciclos do sistema capitalista -- flutuações na atividade econômica, alternando períodos de rápido crescimento com fases de declínio e recessão -- sempre estiveram conosco, e talvez seja prudente imaginar que continuarão a pleno vapor no século 21. "Essa é uma crise clássica que marca o fim de um ciclo, aquilo que os americanos chamam de crisis by the book", diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros. "Assim como no passado, essa crise também foi motivada por questões de mercado, como a baixa taxa de juros americana no começo da década, que fomentou a especulação hipotecária." A novidade dessa vez foi a chamada securitização, mecanismo financeiro pelo qual os investidores repassam e diluem os riscos assumidos. Ao contrário do que se previa, a securitização do mercado subprime não levou à redução dos riscos, mas a prejuízos colossais. Muitos bancos tornaram-se menos criteriosos na concessão de empréstimos, pois agora podem transferir o risco de seus clientes. "À medida que os mercados se tornam mais sofisticados, certos investidores passam a se arriscar cada vez mais", diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. Segundo ele, os ciclos são dominados por dois sentimentos opostos: a ganância, nos tempos áureos, e o medo, nas horas de crise. E se é verdade que o medo serve à auto-preservação, por outro lado, a ganância é a mãe do empreendedorismo. Nos próximos dois ou três anos, Mendonça de Barros crê que os investidores irão adotar uma postura cautelosa. Mas para o futuro ele tem outra profecia: "Com o passar do tempo, quando julgarem que estão com baixa rentabilidade, alguns vão fazer bobagem, dando a largada para a próxima crise."
07/01/2008
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