A chamada geração Y, que começa a desembarcar nos quadros das empresas, questiona o modo tradicional das companhias de trabalhar.
Eles são, dinâmicos, “antenados” e familiarizados com diversas tecnologias, afinal, cresceram navegando na internet em busca dos mais diversos conteúdos. Aliás, fazer várias coisas ao mesmo tempo é uma característica forte, até porque eles não têm paciência para atividades muito longas. Trabalham melhor em equipes, anseiam por flexibilidade de horário e mobilidade, necessitam de feedbacks constantemente, demandam planos de carreira (querem ascender rapidamente) e esperam reconhecimento instantâneo de seu trabalho. Informais, não se intimidam ao expor idéias a seus chefes – o que não é de se estranhar, pois se acostumaram com o apoio e retaguarda dos pais.
Esses traços lhe parecem familiar? Consegue identificar algum funcionário de sua empresa nessa descrição? Se a resposta foi sim – e deve ter sido, caso existam pessoas na casa dos 20 anos – prepare-se para lidar com a chamada geração Y, também conhecida por Millennium ou Net. Os estudiosos do assunto nos Estados Unidos estabelecem que integram esta geração os nascidos entre 1977 a 1997. Aqui no Brasil – e até porque acabamos refletindo a realidade norte-americana algum tempo depois – pode-se definir a partir da década de 1980.
Extremamente “acelerados”, eles estão acostumados a ter uma resposta muito rápida, como se o tempo fosse escasso. Assim, podem preferir chats e mensagens instantâneas a e-mails. E é justamente neste ponto que alguns obstáculos começam a ser impostos para a TI. Toda organização é regida por normas e leis que têm por princípio resguardá-la. Ou seja, no ambiente de trabalho, entra a padronização e sai a liberdade de escolha. “No ecossistema deles, estes jovens têm acesso a “n” tecnologias que, normalmente, são bloqueadas no mundo corporativo, pois criamos barreiras”, lembra Luis Carlos Heiti Tomita, CIO da Philips para a América Latina.
Somente a existência de limites seria suficiente para que qualquer membro da geração Y passasse horas tentando convencer o CIO sobre a injustiça das restrições e como elas o impedem de trabalhar – lembrem-se de que estes jovens querem ter flexibilidade e mobilidade para exercerem as suas funções e odeiam que decisões “burras” os impeçam de fazê-las. É preciso ponderar. E ninguém melhor que o diretor de TI para identificar os riscos para a companhia e criar políticas de segurança eficazes. Mas isto não basta. Estes jovens precisam entender o motivo das regras; e, uma vez (bem) justificadas, será mais fácil tê-los como aliados.
Na Kimberly-Clark, usa-se o pacote da Microsoft como ferramenta-padrão, porém, constantemente, a equipe do gerente de informática, Paulo Biamino, tem de explicar aos usuários que eles não podem instalar software livre em suas máquinas. “Eles emitem a posição deles e eu, a da empresa. Nos cabe mostrar o porquê estamos fazendo aquilo e os benefícios. Eles vão questionar as ferramentas utilizadas, mas, se todos usassem o que acham melhor, não teríamos padronização”, explica.
Exigência
Exigência
O questionamento, inclusive, mostra-se como outro traço marcante da geração Millennium; e reflete no trabalho da TI, que se virá obrigada a repensar a maneira que entrega serviços e produtos. Esta geração cresceu acessando a internet e afeita às novidades tecnológicas, tendo familiaridade com computadores desde criança. Por isto, seus representantes sentem-se confortáveis para discutir tecnologia em pé de igualdade com os profissionais de TI. Um impacto direto no service desk. “Há uma demanda maior por qualidade”, assinala Biamino.
Contratar pessoas da geração Y para o service desk costuma ser uma manobra eficiente para equilibrar o atendimento do suporte com o restante da companhia – e até minimizar problemas de comunicação. “Não enrole este pessoal. Se não souber determinado assunto, é melhor dizer a verdade e buscar a resposta para não cair no descrédito”, ensina o principal executivo de TI para a Kimberly-Clark Brasil.
A exigência desta turma extrapola as fronteiras do service desk. Junto com os pedidos de recursos que ofereçam a tão sonhada elasticidade para a realização de suas tarefas, eles querem maior capacidade de internet, de processamento, de desempenho e robustez dos equipamentos e utilização de objetos pessoais no ambiente corporativo, como o iPod. Atualmente, a Kimberly-Clark não permite instalação de softwares para uso pessoal, mas cada caso é analisado sob a óptica da segurança, legalidade e impactos para a empresa. “Estamos em mutação. Temos de manter a mente aberta. Por um lado, precisamos obedecer a política corporativa, mas, por outro, há uma demanda nascendo e temos de nos adequar”, contrapõe Biamino, de 51 anos e pai de dois jovens representantes desta nova geração.
Há ainda a questão da segurança. A familiaridade com as tecnologias encoraja estes usuários a buscarem novidades e a “fuçarem” mais. O que nem sempre combina com segurança. “Eles são mais ousados, aumentando o risco para as companhias, que ficam mais vulneráveis”, reflete Eliane Aere, diretora de RH e diretora-geral da Accor Services.
Atender às expectativas desta parcela de funcionários requer jogo de cintura. Eles ficarão frustrados se não encontrarem o ambiente dos sonhos no trabalho. “Esta geração espera inovação, flexibilidade de horário, mobilidade e um processo de tomada de decisão muito ágil. O velho modelo de ‘recrutar, gerenciar e manter’ os empregados não funciona mais”, aponta Don Tapscott, diretor da New Paradigm e co-autor de Wikinomics e de outros dez livros. (Leia a entrevista completa com Tapscott Geração net vai dominar força de trabalho).
No entanto, longe de liberar tudo o que eles estão acostumados (e desejam), uma opção que tem sido eleita pelos CIOs é repensar a infra-estrutura para avaliar possíveis adequações, levando em consideração os recursos necessários de acordo com a área de atuação. “Os softwares de gestão de identidade passarão a ser chave para o ambiente de colaboração e a interação funcionar”, avalia Heiti, da Philips. Outro grande desafio não tem nada a ver com tecnologias – mesmo porque elas vão evoluir. “Um enorme dilema é o lado cultural. Esta geração traz idéias inovadoras, mas como faremos a gestão dos novos padrões?”, alerta o CIO.
Paradigma cultural
Paradigma cultural
Ainda que os integrantes da geração Net sejam confidentes, criativos, independentes e tenham mente aberta, eles tendem a ser um grande desafio para gerenciar, na visão de Don Tapscott. “Eles gostam de autonomia, mas precisam receber dicas de como está indo o trabalho e o desempenho para, não só corrigir alguma coisa, mas principalmente porque são ‘movidos a elogios’ e adoram ser reconhecidos”, explica o professor de gestão de pessoas e da Fundação Getúlio Vargas, João Baptista Brandão. (Leia artigo exclusivo de Brandão.)
Como tendem a se identificarem mais a vínculos que cargos, projetos acabam os atraindo mais. Justamente por esta razão, estes jovens obrigam as companhias a repensarem seus padrões e estruturas de remuneração. “Tem organizações que já especificam no cargo o que é esperado, de tal maneira que as pessoas tenham liberdade de opinar e melhorar a forma pela qual são valorizadas”, exemplifica Brandão, destacando que a remuneração por desempenho aparece como uma das formas mais aceitas por este grupo. “Desenvolvemos competências por projetos e por processos”, detalha Eliane, da Accor Services, uma companhia aonde esta realidade já chegou.
Com cerca de 60% dos funcionários entre 21 e 35 anos, a companhia viu aumentar o número de pessoas que passa uma temporada de alguns anos em uma filial em outro país. “Tínhamos uma pessoa por ano e, em 2007, foram 12 funcionários”, destaca. A turma Y está mais focada em sua própria carreira e desenvolvimento.
A orientação por processos é outra tendência que surge ao se analisar o que motiva esta talentosa geração. Mas por trás disto há uma questão de sobrevivência. Como o tempo médio de permanência deles nas empresas é bem mais curto se comparado a seus antecessores, estabelecer metodologias pode ser a salvação para a memória da corporação. “Eu tenho 21 anos na Accor, guardo o histórico da companhia na minha cabeça, o que não ocorre com a geração Y”, conta Eliane, que já respondeu também pela TI e área comercial.
Todas as mudanças trazidas por esta geração terão, sim, impactos nas companhias. Seja na parte de segurança, uma vez que novas tecnologias requerem níveis mais sofisticados de proteção; no aumento da qualidade do service desk, já que os novos usuários vão argumentar os porquês de cada uma das regras; ou na forma de se exercer suas funções. E aí entram os mecanismos para proporcionar o trabalho remoto, os integrantes da geração Y logo verão seus anseios acatados – ou não – pelas companhias. Para as corporações, resta o desafio de equacionar as novas demandas com a atual estrutura, de forma a não perder identidade, valores e cultura. Porque os desafios de conciliar os desejos dos jovens com a estrutura da organização não terminam na Y (ou Net ou Millennium).
02/07/2008
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